…Imagino o dia em que a Polícia Federal descobrir, por exemplo, que Deus existe, conforme documentos apreendidos em investigação no Mercado Público de Água Fria. Claro, com provas fotográficas e testemunhas. Numa delas seria visto um senhor barbudo, numa manhã de domingo a comer cuscuz com guisado em uma mesa, num boxe do mercado. Sim, e daí? Daí é que houve esta revelação: o grisalho homem não pagou a conta com dinheiro vivo ou cartão. Ele sorriu, abençoou a graça da refeição, se levantou e sumiu por uma larga porta. Intrigada, a Polícia Federal, que hoje é o próprio olho de Deus, ao qual nada escapa, perguntou ao dono do boxe por que o cidadão não pagou. E o comerciante assim lhe respondeu: “Esse homem pra mim é Deus. É meu maior amigo”. E os policiais, para não se ajoelharem, registraram a ocorrência descoberta em relatório, ao qual nada escapa.
Levada a notícia para a televisão, os apresentadores acrescentariam que essa era mais uma prova da infinita humildade e concretude da existência divina. Quando mesmo se esperava, Deus se revelara a comer cuscuz com um guisadinho no popular bairro de Água Fria. E terminaria a notícia com o ar mais grave: “o local agora é destino de imensa romaria, e de tal sorte, que Denizar, filho de Seu João do Caldíssimo, está agora de plantão ali com uma imagem de São Jorge para que seja abençoada. Fieis de um terreiro próximo, o mais antigo do Recife, o do Pai Adão, já comparecem e batem os mais lindos toques de tambor todas os dias. O dono da coalhada no bairro, única do Recife, se tornou o mais ardoroso crente diante dos lucros por sua fórmula santa de coalhar o leite. E Carlos, o barbeiro da Rua Japaranduba, afirmou que será capaz de deixar o Santa Cruz e torcer pelo Sport, se Deus assim lhe mandar”.
(Trecho de artigo de Urariano Mota, sob título “repórter como porta-voz da polícia”, publicado em www.jornalggn.com.br)
http://jornalggn.com.br/blog/urariano-mota/o-reporter-como-porta-voz-da-policia-por-urariano-mota )