Sinto-me fosse
Um inexpressivo deus ultramodernoso.
Adepto, sim,
Da mais universalizante das filosofias do amor fraternal,
Embora incapaz
De assegurar a salvação da sua própria alma.
E é isso que me perturba, assaz;
Em nada me acalma;
Até me soa mal.
Ora m’impressiona
A minha realidade na lâmina fria do espelho emoldurada…
Mais parecendo um velho pomar, cinza, de frutas encarquilhadas,
Emurchecidas, esquecidas, abandonadas (depois de sugadas).
Percebo que com o Criador já não mais me assemelho:
Sou mais sopro que pó…
Mais translúcida alma que enrijecida lama…
À meia distância e em turva luz, vislumbro a espreitar-me
O meu Gólgota, silente e calmo… fatal e amedrontador!
Sem cruz, sem látego, sem coroa de espinhos, sem dor…
Encaminho-me, mesmo assim,
Na mesma faina, no mesmo labor,
Para o meu inevitável e solitário fim.
E, em excessos de desesperança, no clímax do pesadelo,
Entronizam-me, em misto de desprezo e desmazelo,
Entre um decadente semideus estelar,
Autoproclamado de todos nós o mais honesto
(Será mesmo qu’eu não presto?!).
E outro, desnudo de brilho, provido de estultícia luminar,
Ora compondo a inglória e desditosa mitologia tupiniquim,
Que se julga epifânico… de todos nós o mais importante
(Situação deveras crucial e excruciante!).
Então, antes do último suspiro,
Em célebre físico inconsequente m’inspiro,
E dou uma longa língua de desprezo para ambos:
O semideus decrépito e o mito em descrédito.
Logo declaro o meu voto derradeiro:
Zero de tolerância!
Reformas totalitárias e irrestritas!
A audácia da esperança!
Em resumo: sou cirista –
Único com projeto antissistema,
Além de bravo delator de espúrios esquemas.
Claro, transparente, loquaz, verdadeiro.
Afinal, mais vale um jactancioso competente
Que outro estupidamente inconsequente!
Atônito e sôfrego, ardo… suo… transpiro…
Da nave onírica, desbordo:
Extasiado, acordo.
(Preciso, urgentemente, de um novo porvir!!!)
Volto a dormir..