O patrimonialismo, herança ibérica, é uma forma de poder na qual os vínculos de caráter pessoal são mais fortes do que os institucionais, a lealdade é reforçada pelo favorecimento recíproco, embora assimétricos, a honra estamental vale mais do que a condição econômica e a fazenda pública é indiferenciada do patrimônio privado dos titulares do munus publicu, conforme Maximilian Karl Emil Weber (1864 – 1920), sendo o patrimonialismo brasileiro descrito por Raymundo Faoro (1925 – 2003) e Simon Schwartzman (1939 – vivo). A economia de mercado tende a promover o poder racional-legal. A sociedade de classes esquece a honra estamental; valoriza o aspecto econômico; adapta-se à normatividade impessoal da burocracia em sentido clássico.
A pós-modernidade, porém, fortaleceu o relativismo cognitivo e axiológico. O poder racional-legal depende do reconhecimento de proposições havidas como válidas do ponto de vista epistemológico e ético. O relativismo classificado por Karl Raymond Popper (1902 – 1994) como laxista, abala tais fundamentos. As instituições jurídicas e políticas sofrem os efeitos de tal mudança. Fragilizadas as doutrinas e instituições, resta o personalismo. Lealdades pessoais, favorecimentos recíprocos e a indiferenciação entre o patrimônio público e o privado permanecem. A liderança carismática e a tradicional são mais favoráveis aos laços pessoais.
O desprestígio dos partidos políticos e demais organizações da sociedade civil; as novas tecnologias de informação; o fim do segredo, revelando a face oculta dos intelectuais abalaram o poder racional-legal. Restaram os laços pessoais e a confiança que os líderes carismáticos inspiram. É uma tendência mundial. No Brasil encontramos na figura de Macunaíma, inspirada criação de Mário de Andrade (1893 – 1945), quase um tipo ideal, em sentido weberiano, da nossa formação histórica, que ajuda a compreender o modo exagerado como tudo isso acontece entre nós. Laços familiares, equipes de governo inspiradas nas relações pessoais, quebras exageradamente informais de protocolos e outras manifestações expõem o declínio do poder racional-legal e a ausência de um conservadorismo tradicionalista. Resta a dominação carismática, com a inovação macunaímica de um carismatismo sem carisma.
A Nova Hermenêutica Constitucional, que na Alemanha não é sinônimo de insegurança jurídica, nos deixa sem saber qual é o significado das leis escritas, por força da “interpretação conforme” do STF. Este se substitui ao Lagislativo, alegando inconstitucionalidade por omissão de parte do Congresso. O garantismo penal à brasileira aceita provas ilícitas e o entendimento da mais alta corte muda com a mesma frequência com que variam os interesses pessoais. As mudanças históricas não afastam a permanência dos fatores de longa duração, fazendo-nos lembrar Fernand Brauldel (1902 – 1985). O patrimonialismo permanece e está revigorado. A sincronia dos interesses sobrevive a diacronia dos fatos.
A Lava Jato parecia conduzir a transformação dos costumes políticos. O patrimonialismo, as lealdades pessoais, o contorcionismo hermenêutico, a falta de partidos, o deserto de lideranças e a longa duração dos vícios históricos parecem prevalecer. Defender o Estado Provedor é defender o patrimônio privado dos titulares do Poder. A defesa dos direitos sociais oculta o patrimonialismo e a defesa estamental dos patrícios. A razão e a reserva do possível são afastadas, tudo em nome da luta por um “mundo melhor.