Parecer jurídico sobre o crime de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito

 
Cuida-se neste parecer da análise fática e seu correspondente enquadramento jurídico penal de processos que apuram acontecimentos datados de 08 de janeiro de 2023, quando houve a invasão por uma multidão de particulares às sedes das três instâncias dos Poderes da República Federativa do Brasil, quais sejam Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nos quais ocorreram atos de depredações e fortes indícios de tentativa de quebra do ordem Constitucional e deposição de um Presidente da República investido no poder, formalizados a partir da instauração de Ações Penais que culminaram com condenações penais e outras ainda pendentes de sentenciamentos em processos ainda em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal, e que agora se robusteceram com indiciamentos pela Polícia Federal de militares da reserva e da ativa, policial federal e civis, como responsáveis intelectuais desses acontecimentos que  antecedem à data nos quais se tornaram explícitos.
 
Dos fatos
 
Antes mesmo da posse e diplomação do Presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, vinham ocorrendo pelo Brasil afora, com acampamentos em frente aos quartéis de Exército Brasileiro e praças públicas, manifestações de civis denunciando a falta de lisura das urnas eletrônicas que apuraram os votos em segundo turno das eleições presidenciais; contra a anulação pelo STF de sentenças penais pendentes de trânsito em julgado por pretensos crimes de corrupção que culminaram com prisões diversas, bem como do ex-Presidente Luiz  Inácio Lula das Silva; clamando por intervenção miliar no comando do Poder Executivo; além de manifestações similares nas redes sociais eletrônicas por parte de adeptos de tais manifestações.
Nos dias que antecederam a posse do Presidente eleito, ocorrem explosões e atentados aos veículos privados e prédios públicos muitos deles filmados e exibidos pela televisão. O Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, ainda no exercício do cargo, negou-se a passar a tradicional faixa Presidencial e Termo de Posse do eleito, e se ausentou do país em avião oficial para os Estados Unidos.
Tais fatos culminaram, como analisamos, nos acontecimentos do 08 de janeiro de 2023, já relatados.
Agora, em face das investigações policiais federais sobre tais acontecimentos, foram indiciados novos pretensos culpados pelo planejamento intelectual de tais acontecimentos, e o que é mais grave, de um plano de assassinato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Vice-Presidente Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho, e do relator destes processos penais no STF,  Ministro Alexandre de Moraes.
Ainda cabe citarmos a referência em apuração relativa à tentativa de desqualificação por fraude das urnas eletrônicas antes e depois das votações, sem que tais acusações fossem comprovadas.
Está em curso a instrução processual criminal para apuração dos fatos à luz de áudios telefônicos gravados e colhidos pela Polícia Federal, bem como depoimentos pessoais dos envolvidos e indiciados, e documentos escritos (minuta de Decretos Presidenciais, detalhamento da formação de núcleos de distribuição de tarefas golpistas, etc., que se constituem como fortes indícios da ocorrência dos fatos em apuração).
Do direito
 
A Constituição Federal, no Título II, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, expressa no artigo 5º, letra XLIV:
“…
 
artigo 5º – XLIV – Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.”
 
 
Tal definição Constitucional visa proteger a estrutura de poder instituído caracterizando a prática de atos de sua quebra por meios violentos de grupos armados como crime.
Assim, uma vez comprovadas as práticas dos fatos indicados nos indiciamentos resultantes de investigações e inquéritos policiais, de logo afirmamos que estão abrangidos pela Lei Magna, no que é corroborada pelas leis penais que especificam a forma pelas quais eles se consubstanciam como crime e a correspondente pena a eles imputadas.
Curioso afirmar que ainda no governo do Presidente Jair Messias Bolsonaro, mais precisamente em data de 01 de setembro de 2021, foi por ele sancionada a Lei nº 14.197, que teve por escopo melhor definir complementarmente o preceito Constitucional dando-lhe sentido mais explícito e inserindo no Código Penal Brasileiro referido conteúdo. Vejamos o teor do artigo que trata dessa questão:
 “Lei 14.197, de 01 de setembro de 2021:
 
 …
 
Artigo 359 – M – Tentar depor, por meio de violência OU GRAVE AMEAÇA abolir o Estado Democrático de Direito impedindo ou RESTRINGINDO o exercício dos Poderes constitucionais (grifo nosso):
 
Pena: 4 a oito anos de reclusão.
 
(com aumento da pena se houver violência, o que pressupõe que basta a intenção para a sua caracterização)”
 
 
Há uma presunção que o presidente Jair Bolsonaro admitia que se reelegeria facilmente e queria preservar o seu poder institucional diante de qualquer crise econômica ou política, e sancionou referida lei que hoje se volta contra ele mesmo em se provando a veracidade dos fatos constantes dos indiciamentos pela instrução processual penal.
Ainda na esteira do conteúdo, da Lei nº 14.197, o artigo 359 – N, que trata DOS CRIMES CONTRA O FUNCIONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS NO PROCESSO ELEITORAL, assim podemos inferir sobre a prática de crime eleitoral que se acresceria aos outros crimes sob comento:
Interrupção do processo eleitoral
 
Artigo 359 – N – Impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral:
 
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.”
 
Apura-se na referida instrução processual penal se houve a tentativa de manipulação das urnas eletrônicas ou, ainda, se se tentou desacreditá-las como corretas e seguras (mas somente aquelas do segundo turno, preservando-se o resultado do primeiro turno como válido e pelas mesmas urnas).
Cumpre-nos citar que o Código Penal Brasileiro, desde há muito, já havia configurado como crime o conluio de três ou mais pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes, no artigo 288 que assim se expressa:
“Artigo 288 – CPB – associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:
 
Pena: reclusão de 1 a  3 anos.”
 
Por fim cabe fazermos o enquadramento jurídico como crime a depredação do patrimônio público, dos fatos deveras mostrados pelas câmeras de televisão que tudo filmaram nos prédios e dependências dos poderes institucionais, cujas definições e penas estão contidos(as) no artigo 163 do Código Penal Brasileiro e seus incisos.
Conclusão
 
Uma vez comprovadas as práticas dos atos delituosos, ou mesmo suas tentativas e ameaças, que aquj foram demonstradas como passíveis de enquadramentos jurídicos penais e processuais penais, concluímos pela ocorrência dos vários crimes previstos na lei penal e aqui demonstrados.
É o parecer.  

Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;