Para que os generais usam o twitter?

Nesses dias me dei conta de que já se vão mais de 436 artigos publicados no blog “Segunda Opinião” dedicados ao exercício de refletir sobre o tempo presente, desde a armação do Golpe de 2016, alicerçando-me nos pressupostos metodológicos de uma sociologia do cotidiano cujo objetivo é o de buscar desvendar o aparentemente irrelevante – e muitas vezes oculto – por meio da observação cotidiana das circunstâncias e dos circunstantes em sua dinâmica relacional, identificando não apenas o repetitivo, como também fatos ligados à produção de novas conjunturas, para compreender a trama das contradições, na cena política, entre aquilo “o que é” e “o que parece ser”.

Como já tivemos a oportunidade de expressar por diversas vezes, a pandemia da Covid-19 veio contribuir decididamente para uma maior clarificação das contradições presentes na realidade brasileira. Neste sentido, a última semana de maio esteve repleta de acontecimentos significativos condicionando a pauta política nacional, a partir do comando da CPI do Genocídio, instalada no Senado Federal, com as revelações inéditas para o senso comum da maldosa trama elaborada, desde março de 2020, em torno do engodo do uso do fármaco “hidroxicloroquina”, capitaneado pelo garoto propaganda oficial Jair Messias Bolsonaro, como tratamento eficaz no combate ao coronavírus SARS-2, causador da doença, que até a presente data, pelos dados oficiais, já vitimou de morte mais de 470 mil pessoas no Brasil.

De fato, constata-se claramente, como primeira consequência concreta, desde o início de maio, que a pauta política deixou de ser decorrência das provocações semióticas disparadas pelo capitão do cercadinho, para ser determinada pelo Senado Federal na condução das investigações à frente da CPI. A cada depoimento, a população toma posse de realidades até então obliteradas em relação à responsabilidade do Planalto sobre genocídio deflagrado contra a população brasileira.

Em segundo lugar, assim compreendemos, esta conscientização sobre as provas reais apresentadas no âmbito da CPI foi o moto impulsionador para a primeira grande manifestação da soberania popular nas ruas das cidades de todo o Brasil, no último dia 29 de maio, pelo “Fora Bolsonaro”, o mal maior do que o vírus. Tendo sido agendada a segunda rodada para o dia 19 de junho.

O terceiro aspecto a ser destacado desta trilogia de fatos, trata-se do confronto entre o obscurantismo contido no depoimento da Dra. Nise Yamaguchi, integrante do Gabinete das Trevas, no dia 01/06, com as luzes da Dra. Luana Araújo, que apresentou a racionalidade e o conhecimento científico em seu depoimento na manhã seguinte. Registre-se que a doutora Araújo com sua performance coloca como evidência a insatisfação aberta de uma parcela daqueles eleitores bolsonaristas com os rumos do desgoverno, apontando para a forte possibilidade de não repetirem seu voto em 2022, migrando para outro projeto político mais humanista e racional.

Estes três aspectos juntos, dinamicamente relacionados e em amplo crescimento, oferecem forte ameaça de total deslegitimação de Bolsonaro. Ele já percebeu o perigo dessa conjuntura em andamento, orientando-se para uma maior radicalização junto ao seu partido político de sustentação no poder: as Forças Armadas, e em segundo plano, as polícias militares estaduais.

Dois fatos emblemáticos. Em primeiro lugar a execrável operação covardemente planejada pelo comando da ala bolsonarista da Polícia Militar de Pernambuco, sem o conhecimento do Governador do estado, reprimindo à bala as manifestações da soberania popular no último dia 29 de maio, disparando na população civil desarmada bombas e artefatos de borracha, cegando dois trabalhadores no uso do seu legítimo direito de ir e vir. Além disso, dispararam diretamente nos olhos da vereadora Liana Cirne (PT) gás de pimenta, no momento em que a edil buscava uma interlocução para apaziguar os ânimos. Uma vez mais, repete-se em nossa história, a ação de militares atacando covardemente a sociedade civil.

O segundo episódio diz respeito ao arquivamento por parte do comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, do processo de punição por ato de indisciplina perpetrado por Eduardo Pazuello ao participar ativamente do ato político convocado por Bolsonaro, no último dia 23 de maio. Ao não punir o general da ativa, o chefe do Exército abre uma cratera de descrédito ainda maior na percepção por parte da Sociedade Civil quanto à seriedade daquela instituição, além de insinuar a possibilidade de novos atos de indisciplina da caserna.

Portanto, dois sinais de evidências claras de alinhamento partidário automático com o Capitão.

Em 11 de janeiro de 2019, em sua despedida do comando do Exército, o general tuiteiro, Eduardo Villas Boas, escancarou o projeto em curso defendido por ele e pelos seus comandados. Afirmou que “a nação brasileira festejava os sentimentos coletivos que se desencadearam a partir da eleição de Bolsonaro”. O tripé desse novo “Rio da História”, segundo o general, é complementado por Sérgio Moro (codinome Russo no submundo jurídico) e Braga Netto, general interventor do Rio de Janeiro e atual ministro da Defesa. Portanto, trata-se da junção do fascismo bolsonarista, apoiado operacionalmente pelo excludente de ilicitude morista, contando com o suporte estratégico-tático das Armas, contra todo e qualquer tipo de oposição.

Um ano antes, em 2018, o general mostrou como usou sua conta do twitter: para intimidar as instituições democráticas, como o STF, para garantir a eleição do seu candidato à presidência, em detrimento da democracia brasileira, cuja população está, com o governo Bolsonaro, amplamente penalizada por 470 mil mortos pela COVID-19, por uma altíssima taxa de elevação do custo de vida, com índices recordes de desemprego e subemprego, pelo retorno do Brasil ao Mapa da Fome e pelo desmantelamento do patrimônio nacional. É para isso que os generais usam o twitter?

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .