PANDEMILSON (Tragicomédia sertanejo-brasileira

Foi agora de manhã
Ou há dez anos atrás
Quando meu mundo parou
Lá no sertão de Goiás

Se você não me conhece
Ou talvez já se esqueceu
– Sai da rua! Vem pra casa…
– Alcoolgélson, filho meu!

– Ô meu pai, seu Pandemilson!
– Abre a porteira e deixa “dílson”
– Teu gado foi pro boqueirão
– Só dá ouvido ao Capetão!

O berrante tá tocando
Ressoa de norte a sul
Todo gado vai seguindo
Faça chuva ou céu azul

O banquete tá na mesa
Só por que eu pedi ifood
Quarentina não quer mais cozinhar
Fica no “Insta” vendo nudes

– Oh Lockdownson, filho meu!
– O teu miolo se perdeu?
– Oh minha filha, Quarentina
– Pegar outro bucho é tua sina!

Tá empacada a Cloroquina
Já não cuida dos burrego
Levei pro culto num domingo
Na sessão do descarrego

Vei’ doutô de outra fazenda
Pra livrar desse tormento
Ele não me ajudou muito e me disse:
– isso é doença de jumento!

Já selei o meu cavalo
Pra sair desse país
Plantar soja, arroz e milho
Colheita que eu sempre quis

De alazão ou de chalana
De todo jeito eu sou barrado
E me dizem: – a terra é plana…
Vais cair do outro lado!

– Oh Alcoolgélson, filho meu!
– O teu miolo derreteu?
– Oh, Cloroquina minha prenda!
– Tu diz amém, mas não te emenda!

Mas agora em minha vida
Todos os dias são iguais
Um cantor de “sertanojo”
Boi de milícia ou capataz

Nessa lida desgramada
Tomei o rumo de Barretos
Virei artista em montaria
Bota, espora e chapéu preto!

Fui violeiro de sucesso
Com mulher em cada mão
Com corpinho definido
E cabeça de camarão

Tive gado, tive terra
Mas da sela fui à lona
E nem bem contei meus dias
Acabei aqui na zona

Lá na zona conheci
Tinha mulher do mundo inteiro
Alta, baixa e até virando
Onça do Beto Carreiro

Tudo é engano, tudo é falso
Já dizia o meu pai
Igualzinho ao meu sotaque
Que comprei no Paraguai

Foi na pior qu’eu conheci
Um terrível desmantelo
Chicovidisson, um inimigo
Que não quis me dar sossego

– Chicovidisson, seu pilantra
Te desafio agora mesmo
Vamos ver quem é o melhor
Na disputa de violeiro!

– Pandemilson, seu palerma
Esse negócio não tá com nada
Quero ver quem é bom mesmo
É comendo panelada!

Mas Chicovidson era vivo
Com sorriso de criança
Aguardou o meu deslize
E logo encheu aquela pança

E assim termina a história
Não sei se é boa ou se é ruim
Eu voltei pra minha terra
Pra poder plantar capim

Que tem muita gente estranha
Nesse mundo de meu Deus
Tem até ali um crente
Bem pior do que os ateus

E tem também muito soldado
Que é bem pior do que bandido
Mas quem fala a verdade
Agora anda escondido

Pois eu canto agora, então
Sei que o povo é gado mocho
Canto alto, canto forte
Pra nos livrar desse encosto!

Renato Angelo

Mestre em políticas públicas, professor universitário, pesquisador, poeta e contista

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Renato Angelo

Mestre em políticas públicas, professor universitário, pesquisador, poeta e contista