PACIÊNCIA

Virtudes são hábitos, não hábitos quaisquer, mas especiais, bons, por meio dos quais se deixam de cometer males a si e a terceiros. Alguns autores definem virtude como sendo o ponto de elevação de uma pessoa, uma espécie de excelência pela qual realiza suas possibilidades enquanto _húmus, terra fértil_. Para tanto é necessário adquirir a capacidade de saber olhar a realidade, momento a momento, desenvolvendo o trabalho por possuir “visões acertadas de cada bem que se faz necessário à vida pessoal e em comunidade. No dizer do filósofo grego Aristóteles (Ética a Nicômaco), virtude é aquilo que torna boa a humanidade e o que a fará desempenhar bem suas ações no mundo. A virtude é um valor, uma justa medida nos relacionamentos humanos. Liberdade, portanto, é ter a vontade e a capacidade de dizer *SIM* em direção ao bem.

Como no humano não só os sentidos, mas também as categorias com as quais se recorrem para descrever o mundo, estas também o condicionam e condicionam o mundo que o rodeia. Isso torna possível diferentes interpretações da mesma experiência. Assim cria-se uma diversidade de mundos espirituais.

Os conceitos são idealizações da realidade empírica, e por essa razão emerge sempre a possibilidade de perguntar-se se determinadas representações são verdadeiras e se os desejos são eticamente corretos. Portanto, o ser humano tem também a capacidade de dizer *NÃO*. Isto é uma descoberta ineliminável da existência humana: poder discernir entre o Falso (fake) e o Verdadeiro; entre o Bem e o Mal. Pois, mesmo aquele que considera a verdade uma ilusão, tem de considerar verdadeira esta sua convicção.

O sistema político-econômico neoliberal instala-se no mundo humano por meio de uma filosofia diametralmente oposta, ao definir o Egoísmo como a centralidade da existência, cujo valor absoluto é o Valor-Dinheiro. Assim, no capitalismo, tudo se transforma em mercadoria, estabelecendo-se uma relação entre coisas, uma vez que a mercadoria emerge como tendo vida própria (fetiche). Então o Valor-Dinheiro torna-se um deus dentro do sistema religioso neoliberal, um sujeito autônomo que existe em função de si mesmo. Tudo se refere a ele. No dizer do filósofo brasileiro Manfredo Oliveira, “o neoliberalismo é a religião que sustenta axiologicamente a globalização do Capital, cuja velocidade e forma de produção capitalista se manifesta como um caminho de transcendência para o Absoluto”. (in Desafios éticos da globalização, Paulinas, 2008). Ou, dito de outra forma, no cantar do compositor Lenine, “mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma, mesmo quando o corpo pede um pouco mais de alma, a vida não para”. (in Paciência). É ele, o Capital, que organiza o trabalho (a vida) humano, e seu ritmo, a nível mundial, em função de suas crenças e ritos.

Num sistema religioso, a crença impõe um olhar que divide a realidade entre o sagrado e o profano, entre bons e maus, enquanto oposições absolutas, acarretando como consequência a condenação automática de todos aqueles infiéis que não professarem acreditar em tal sistema. As crenças são, portanto, representações que exprimem a natureza das coisas sagradas (no caso do neoliberalismo, o Dinheiro) e a relação que elas mantêm entre si e com as coisas profanas. Já os ritos são modos de ação determinados, concebidos como regras que determinam como os fiéis devem comportar-se diante das coisas sagradas. Os ritos são maneiras de agir que se destinam a suscitar e manter os estados mentais do grupo de fiéis.

Estamos concluindo o ano de 2020 no qual a pandemia do covid-19 possibilitou evidenciar as contradições de como a exploração do sistema neoliberal funciona tanto no campo internacional da relação norte-sul do globo terrestre, como no interior dos estados-nações escancarando o desnível socioeconômico alimentado pela religião neoliberal com seus dogmas de concentração de poder ao longo dos anos. No caso brasileiro, a ritualística desenvolvida pelo dito presidente da república revelou muito bem quais são os seus anti-valores, seus interesses e compromissos. Que em 2021 tenhamos a vontade e a capacidade de enxergar o que é preciso ser feito para combater esse mal, buscando compreender o que mundo espera de nós, de cada um de nós.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

Mais do autor

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .