Continuemos na análise. Passo a tratar do apoio de lideranças católicas ao capitão reformado, recorrendo à mesma retórica do “inimigo vermelho” a ser derrotado em nome dos “valores cristãos” (sim, tal como os protestantes, seus “primos” católicos não enxergam valores “democráticos” a serem defendidos”, apenas valores “cristãos” – a “maioria” como disse o candidato).
Não desperdiço o tempo do leitor, nem o meu, com as infundadas coisas ditas por Padre Paulo, muito escutado no interior da Renovação Carismática Católica, que chegou a sugerir que o episódio da facada contra o candidato teria sido “para calar a verdade”, comparando-o a um “mártir dos tempos modernos”, vítima de “mentiras” (o vídeo por ser visto aqui: https://www.youtube.com/watch?
Padre Paulo Ricardo é um dos maiores defensores das famílias: “Como calar a boca de uma pessoa que fala a verdade? Você tem duas formas: ou você dá uma facada, ou você inventa mentiras sobre ela”. https://maisquevoto.com.br/
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Outro importante sacerdote da RCC, ex-membro da Comunidade Canção Nova, a pronunciar-se a favor do capitão foi Cleidimar Moreira que, por não votar “em nenhum candidato da esquerda” e nem ser “julgado pelo pecado da iniquidade” (a eleição, portanto, vista em termos espirituais) – pois só assim seria “contra a ideologia de gênero” -, o padre cantor declara que o Brasil só será renovado “com Bolsonaro presidente”.
Observe o leitor que não há nada além de um compromisso raso, mas não vazio, com pautas que alimentam um pânico moral, instalado, sobretudo, pela confusão e distorção de pautas que tais atores do campo religioso, com muito sucesso, têm levado a efeito.
Contudo, em minha modesta análise, o maior desserviço veio por meio do padre Antônio Furtado, membro da Comunidade Católica Shalom, e responsável por sua popularização, sua “ida” aos mais pobres, àqueles que não se encastelam na zona nobre da capital cearense. Seu discurso e suas missas dirigem-se, sobretudo, às camadas mais pobres, o que lhe confere um importante papel na “catequização” das massas, seja para o que for. Costumava referir-se, por exemplo, à ex-prefeita Luizianne Lins como “Jezabel”, uma sacerdotisa que, segundo o livro de Reis, teria desviado os judeus para o culto de deuses pagãos. Era assim que o padre referia-se à ex-prefeita. Apesar de tantas imagens católicas espalhadas pela cidade no mandato de Luizianne, sua filiação partidária não tornava-a confiante ao padre e a seu séquito.
Uma digressão: também uma organização de pastores, pouco antes da campanha pela reeleição, em 2008, fez dura campanha contra Luizianne. Outdoors forem espalhados pela cidade com os seguintes dizeres: “Senhora prefeita: por que a senhora é contra a Bíblia e o povo de Deus?”. A anticampanha dizia respeito ao fato de Luizianne ter vetado projeto de lei que obrigava todas as escolas a terem um exemplar da Bíblia. Primeiro, porque existem duas Bíblias: a usada por católicos, com mais livros, e a usada por evangélicos; depois, em se tratando de “Estado laico”, havia a necessidade de contemplar todos os credos. Não havia nada de “contra o povo de Deus”. Com uma representação na Justiça, os outdoors foram retirados para, logo depois, serem substituídos por outro: “Senhora Jezabel: por que a senhora é contra a Bíblia e o povo de Deus?”. Chegada a eleição, Luizianne foi reeleita em primeiro turno.
Voltemos ao caso do Padre Antônio. Com milhares de pessoas na “festa dos arcanjos” no último sábado, dia 29/09, começou sua homilia lendo o capítulo 12 de Apocalipse, e fez repetirem, várias vezes, a expressão “dragão vermelho” para referir-se ao demônio. Vermelho, a cor da esquerda; mais precisamente, do PT. Um texto escrito há quase dois mil anos utilizado para referir-se a um partido em 2018! Quanto anacronismo a serviço da desinformação e, por que não dizer, da manipulação de uma massa de fiéis. Relembrou as mensagens das supostas aparições de Fátima, em 1917, destacando a necessidade do “anticomunismo russo”. Segundo disse, as aparições se deram no mesmo tempo da Revolução Russa; como assim? Maio é Outubro? Às favas com a verdade, não é mesmo?
“Esse dragão, esse bicho vermelho, está mais presente do que você imagina. Ele tem cabeças pensantes no mundo para impedir a ação da igreja”, disse ele. Com suas “televisões, cantores, políticos, empresários”, o dragão, sempre dito como “vermelho” com cabeça em “estrelas” (mais uma referência ao PT), estaria em plena ação, sobretudo por conta das eleições.
O problema para ele, a partir das supostas mensagens de Fátima, seria a “conversão da Rússia”, dos “comunistas”. Ora, os males da humanidade são propagados, sobremaneira, pelo capitalismo, pelas nações de alto desenvolvimento capitalista, exatamente o que tem dito o papa Francisco, de quem a Comunidade orgulha-se de ser fiel seguidora. Terão lido essas mensagens com as críticas ao Capitalismo? Não importa. O que conta é a oposição ao petismo, ao “dragão vermelho”.
Os governos, disse ele, estão sendo conduzidos por “sujeitos conduzidos pelo dragão”. Em apoio à sua fala desencontrada e desinformada, o padre chega a falar de altos índices de violência na Alemanha e na Holanda “por conta da liberação das drogas”, ao falar de “liberação” em vez de “descriminalização” percebe-se o intento desvirtuante do discurso do padre.
Para não deixar dúvidas, o padre conclui: “até a cor do dragão você sabe, a Bíblia diz, até a cor você sabe qual é, cuidado com esse dragão”. Que cor? Vermelho! “Não deixe que o Brasil seja entregue aos abortistas, aos mentirosos, aos destruidores da família”.
Durante o pleito de 2010 um outro padre, José Augusto (da Cação Nova), também referiu-se ao PT como um perigo, e que dar um voto a tal partido seria “ir ao inferno”. O PT ganhou direito de resposta e a Tv Canção Nova emitiu nota dizendo-se independente das declarações dadas.
Assim, separados por cosmologias e adversários no campo-mercado religioso (pois tanto católicos, em especial carismáticos, referem-se às igrejas evangélicas como “falsas doutrinas”, como evangélicos referem-se à Igreja Católica como uma não-caminho de “salvação”), considerável número de cristãos estão sob a batuta de lideranças cujos interesses eleitorais são os mais sectários e pragmáticos possíveis, sem que ofereçam um plano consistente para o desenvolvimento do país em suas várias esferas: estrutural, sáude, educação, segurança etc. Basta que não sejamos “vermelhos”, sejamos papai-mamãe-filhos, tenhamos inúmeros filhos, cacemos as bruxas opositoras da fé, e confiemos num líder autoritário que nada mais saiba do que repetir clichês. Viva o Brasil!
Emanuel Freitas
Edivaldo
Viva!!!!!