OS PARTIDOS POLÍTICOS

​No momento em que se discute a criação das federações partidárias aprovada pelo Congresso Nacional, impõe-se que revisitemos a história da criação e organização dos partidos políticos no mundo, sua evolução ou involução, à extensão da história, como instrumentos essenciais às democracias, e os vários sistemas de governo no formato como os conhecemos.

Os partidos surgiram, pela primeira vez, naqueles países que adotaram a modalidade de governo representativo, com suporte na organização dos seus processos civis e sociais. Esse modelo – bom que se expresse – previa uma gestão do poder por parte dos representantes do povo.

Em essência, o nascimento dos partidos tem origem na busca pela criação de organizações de caráter participativo, quer dizer, em razão do crescente aumento da demanda por participação nas decisões políticas pelos diversos estratos da sociedade.

Ainda no século XVII, encontramos registros da existência de dois grandes partidos pertencentes à aristocracia, atuantes no Parlamento inglês, mas sem relevância ideológica, e de representação política.

Segundo Weber, não eram mais do que séquitos de poderosas famílias aristocráticas. Excetuando-se o status conferido pela aristocracia, qualquer semelhança com os donos dos partidos no Brasil não é simples coincidência. É tanto que, sempre que lord, por alguma razão, mudava de partido, pois tudo o que dependesse de sua ação transmudava para o grêmio de oposição.

Nos registros mais recentes, na primeira metade do século XIX, encontramos, na Europa e Estados Unidos, o partido dos notáveis. Esse é o período de afirmação do poder da classe burguesa, com a difusão das ideias e instituições parlamentares, bem assim a superação do conflito político pela sua constituição.

Na fase que precedeu e se seguiu o final do século XIX, conforme assinala Norberto Bobbio (Dicionário de Política – Vol.2), essa realidade começou a mudar, quando aflorou o movimento operário baseado nas transformações econômicas e sociais, resultantes da industrialização, levando à “ribalta política as massas populares, através dos movimentos inicialmente espontâneos para logo a seguir dar lugar aos protestos, até a criação do partido dos trabalhadores”.

Ainda segundo ensina o mencionado Filósofo-político e historiador italiano, “[…] é precisamente com o surgimento dos partidos socialistas – na Alemanha em 1875, na Itália em 1892, na Inglaterra em 1900, e na França em 1905”, que os partidos assumiram configurações completamente novas.

No itinerário malsão da política brasileira, historicamente, os partidos são a nossa primeira referência de negação da política como instrumento de constituição do bem-estar social coletivo, no contexto dos ideais de partidos programáticos e representativos de uma sociedade democrática.

A rigor, os partidos deveriam ser a porta de entrada para o efetivo exercício de uma práxis política, segundo nossas ideações, como organizações defensoras das reivindicações coletivas dos representados, oferecendo-nos como opções eleitorais cidadãos vocacionados para o nobre exercício do poder político, entretanto sob o aspecto moral e ético da maioria dos candidatos, o que se verifica é uma aguda deterioração, com graves influxos na qualidade da representação política, e para democracia.

Para a consecução desse fim, aos partidos caberia a adoção de critérios quando da formação dos seus quadros, mediante o estabelecimento da exigência de um padrão moral e ético, bem como de um perfil democrático, aos seus filiados, como precondição para se conceder legendas aos postulantes que disputarão mandatos eletivos; deveria, mas, na prática, o que prevalece é, tão-só, a “má” intenção daqueles que buscam se servir da política, em detrimento do bem societário.

São as explicações para essa distorção encontradas na famosa definição de Marx Weber, onde ele ensina que “[…] os partidos têm caráter associativo, obedecem a um fim deliberado, seja ele de ‘objetivo’, a realização de um plano com intuitos materiais ou ideais, seja ‘pessoal’, isto é, destinado a obter benefícios, poder, e consequentemente, glória para os chefes”!

Ainda na trilha de Weber, essa definição põe em relevo “[…] o caráter associativo do partido, a natureza da sua ação essencialmente orientada à conquista do poder político dentro de uma comunidade, e concretamente tem motivações à consecução de fins, ‘objetivos’ e/ou pessoais”.

No Brasil, essa definição foi interpretada, e é exercida, pelos chefes (donos dos partidos), ao pé da letra, haja vista o caráter personalista em nossa cultura politico-partidária. Não é por acaso que quase todos os políticos buscam ter um partido para chamar de seu, o que levou a essa profusão de legendas consideradas de aluguel. As eleições do ex-presidente Collor (PRN) e do atual (pelo PSL) são emblemáticas dessa realidade.

A existência e o desenvolvimento dos partidos, na Teoria política, se fundam, ou deveriam se fundar, no princípio democrático da participação cidadã e ancorados na representação política da sociedade, para afirmação de um Estado autônomo e soberano, assegurando a participação cidadã nas decisões políticas.

Todos são conhecedores do fato de que, nos períodos de crises políticas e de transformações econômicas e sociais, com influência direta na ordem tradicional da sociedade, como a que vivemos agora no Brasil, a demanda por participação fica ainda mais intensa, na defesa, especialmente, da democracia, e aos partidos caberia o papel de mediador dos conflitos e dessas transformações, mas não é o que ocorre, pelo menos na realidade fluente.

O antirrepublicanismo da cultura partidária, no Brasil, se materializa, e tem negativo registro na história recente do País, no escândalo protagonizado pelos “anões do orçamento”, no período imediatamente após a redemocratização, e pelo “centrão” na realidade em curso com a criação do orçamento secreto, em troca da sustentação política ao atual governo.

Este vergonhoso moto teve destacada participação, notadamente, dos grandes partidos, visto que alguns dos pequenos grêmios eram, como ainda sucede de ser, da oposição, com pouco poder e influência.

No referido escândalo, há uma maneira de associativismo, não no sentido weberiano, em sua definição de partidos, e sim na modalidade predatória para a prática de crimes contra o Erário, em que deputados e senadores formaram um conluio, e, durante décadas, para desviar trilhões do orçamento do Governo Federal.

O método utilizado para essa prática antirrepublicana foi pela alocação de recursos no orçamento da União, uma das funções dos congressistas, que formaram uma “associação” de paridos, para, por via dos seus parlamentares, desviar recursos da saúde, educação, segurança, habitação, saneamento básico (35 milhões de brasileiros, ainda hoje, não têm água tratada, e mais de 100 milhões são faltos de esgotamento sanitário), para o financiamento dos seus projetos de interesses particulares (eleições e perpetuação no poder) e dos chefes de suas agremiações.

Com tal ação, os partidos brasileiros, em todo o curso da história, foram, não só perdendo a legitimidade intrínseca da representatividade política do País, como também legaram às gerações de hoje o desestímulo à participação política, levando o cidadão de bem, vocacionado a servir na vida pública, a ter vergonha de participar. O que esperar das federações?

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Arnaldo Santos

Arnaldo Santos é jornalista, sociólogo, doutor em Ciencia Política, pela Universidade Nova de Lisboa. É pesquisador do Laboratório de Estudos da Pobreza – LEP/CAEN/UFC, e do Observatório do Federalismo Brasileiro. Como sociólogo e pesquisador da história política do Ceará, publicou vários livros na área de política, e de economia, dentre eles - Mudancismo e Social Democracia - Impeachment, Ascenção e Queda de um Presidente - sobre o ex-Presidente Collor, em 2010, pela Cia. do Livro. - Micro Crédito e Desenvolvimento Regional, - BNB – 60 Anos de Desenvolvimento - Esses dois últimos, em co-autoria com Francisco Goes. ​Arnaldo Santos é membro da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo – ACLJ, e da Sociedade Internacional de História do século XVIII com sede em Lisboa.

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Arnaldo Santos

Arnaldo Santos é jornalista, sociólogo, doutor em Ciencia Política, pela Universidade Nova de Lisboa. É pesquisador do Laboratório de Estudos da Pobreza – LEP/CAEN/UFC, e do Observatório do Federalismo Brasileiro. Como sociólogo e pesquisador da história política do Ceará, publicou vários livros na área de política, e de economia, dentre eles - Mudancismo e Social Democracia - Impeachment, Ascenção e Queda de um Presidente - sobre o ex-Presidente Collor, em 2010, pela Cia. do Livro. - Micro Crédito e Desenvolvimento Regional, - BNB – 60 Anos de Desenvolvimento - Esses dois últimos, em co-autoria com Francisco Goes. ​Arnaldo Santos é membro da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo – ACLJ, e da Sociedade Internacional de História do século XVIII com sede em Lisboa.