Num mesmo estado há diferenças de pronúncia e entonação; pronunciar a palavra “titia” na Cariri cearense é diferente de pronunciar a mesma palavra em Fortaleza; a pronúncia no Cariri pertence à família que vai da Paraíba à Bahia, com semelhanças, apesar das entonações diferentes.
Quando se entra no Rio Grande do Norte, por Mossoró, que dista pouco mais de 80 quilômetros de Aracati, os sotaques se diferenciam; naquela cidade a entonação do sotaque pertence à família que vai do Rio Grande do Norte à Bahia; nesta última, de Aracati, o sotaque pertence à família da entonação fortalezense, ou os fortalezenses falam como os aracatienses, que vieram primeiro.
Em todo o Maranhão, com seu português herdado do tempo em que tinha comunicação direta com Portugal (e negócios privilegiados pela corte portuguesa, o que atrasou a aceitação da independência por lá), fala-se um português castiço desde o centro às periferias, fato hoje um pouco modificado pela influência da televisão que tudo equaliza.
Todos esses sotaques têm sonoridade própria, justamente porque as palavras ditas em vozes humanas pertencem a gêneros musicais diferenciados e digo isto para afirmar que a música está presente em nossas vidas como instrumento de comunicação indispensável. A palavra recitada com ou sem fundo musical, ou mesmo lida, tem sonoridade musical.
Por sua vez os ritmos musicais pertencem a determinadas famílias com DNA’s próprios que se traduzem em obediência à matriz original.
A música clássica europeia tem a característica de uma linearidade contínua sem a batida forte dos tambores ancestrais que caracterizam a matriz africana. Com poucos contratempos, a música clássica segue uma suave melodia quase sem intermitência que lhe dá uma sonoridade contínua dispensando a bateria, e quando muito, nas execuções de músicas clássicas por orquestras, quando muito aparecem os tímpanos, menos para oferecer rítmicas marcadas, e mais para dar um tom grandioso em determinado estágio da execução musical.
De matriz africana, o Blues estadunidense, com sua cadência compassada e triste, parecendo um lamento cantado pelos escravos catadores de algodão, nascido no sul escravista da colonização daquele país (cujos sintomas segregacionistas são ainda presentes até hoje, infelizmente), rejeitado inicialmente pelos colonizadores brancos conservadores com viés supremacista, representa o maior legado e identidade cultural dos Estados Unidos.
Somente podia ser cantado como oração nas igrejas segregadas aos negros, e aos poucos transbordou os umbrais religiosos para ganhar vida profana a embalar o bom gosto musical com sua sonoridade ao mesmo tempo intimista, reflexiva e melodiosamente rica.
Do Blues derivam o reggae, que se popularizou a partir da Jamaica caribenha de fala inglesa, com Bob Marley (filho de uma afro-jamaicana com um soldado inglês) e ganhou o mundo com sua sonoridade roqueira de andamento mais lento e cadência própria, até o Yê,Yê,Ye inglês dos Beatles com seus ritmos e costumes que fizeram a cabeça da contracultura dos anos 60.
Já o samba brasileiro, rejeitado incialmente pela elite brasileira como música de baixa qualidade e considerada equivocadamente por esta casta como coisa de escravos tocando tambores ancestrais, ganhou sonoridade rítmica desde o lundu, passando a ser identidade nacional. O Brasil se inseriu no mapa-mundi a partir do futebol e do samba.
Com sua cadência de requebros e sensualidade, com manifesta rebeldia aos hipócritas padrões moralistas brasileiros do Império e até mesmo da República, o samba representa a alegria dos povos que submetidos à subjugação social, econômica e cultural, conseguiram romper a camisa-de-força que se lhes foi imposta e se estabeleceram pela via da arte revolucionária por pura intuição.