Os meus eleitos

“Sem a música a vida seria um erro.”                                                      
                                                          Friedrich Nietzsche

Não voto, mas é claro que as eleições presidenciais do próximo domingo têm importância fundamental para todos e, obviamente, para mim. Até não votar por opção conceitual e doutrinária é uma forma de votar, de protestar, ou ainda, de marcar posição de alerta sobre o day after.  

Uma vitória do Boçalnaro, o ignaro, representaria, para todo o povo brasileiro, um retrocesso civilizatório e material inominável e, assim, o meu ato de protesto ou omissão do voto tem sido questionado. Mas insisto que é um alerta, mesmo que represente um grito no deserto.  
Mas tudo indica que é bastante improvável tal resultado a esta altura do segundo tempo, com os reiterados tiros nos pés dados pelo próprio candidato (como a história do “pintou um clima”) e seus correligionários próximos (casos do Paulo Guedes e a história da desindexação do salário-mínimo à inflação, e das sandices do Bob Jefferson, o cowboy tupiniquim tresloucado, uma espécie de Odélio Bispo ao contrário).  

Seria a volta de posturas intolerantes nos costumes (como essa ocorrida agora na Rússia do dirigente totalitário Vladimir Putin, que acaba de aceitar que homem bata em mulher, desde que somente uma vez por ano… pode?), e da aceitação de restrições de direitos trabalhistas, salariais, fome e morte  em nome da economia (caso da covid) e de uma hipotética retomada do desenvolvimento econômico e do mercado.  

A legitimação de tantas proposituras absurdas e retrógradas pelo voto seria um retrocesso de dimensões históricas e, possivelmente, sofregamente duradouras.
A vitória de Lula, agora é bastante provável, vez que as eleições tomaram um nítido conteúdo de classes, e que este candidato detém a preferência da faixa de baixa renda que é bem mais numerosa, mesmo que o patronato tente exercer a sua influência e pressão sobre tal estrato social.  

Mas classifico a eleição de Lula como mal bem menor e fruto de uma convergência de segmentos influentes e mais lúcidos da sociedade civil que se uniram numa mesma candidatura superando divergências conciliáveis, algumas ditas progressistas e outras nem tanto, o que nos aponta para uma distensão social momentânea.  
Quando digo que a distensão é momentânea quero alertar para os graves problemas socioeconômicos e ecológicos que certamente cairão no colo do Lula e que estão a requerer soluções fora da caixa e do pensar habitual, e que não estão sendo sequer percebidas pelo candidato social-democrata-trabalhista.  

Lula, no seu afã de parecer palatável aos setores elitistas do mundo político e econômico brasileiro, aponta com soluções antigas para problemas novos sem adentrar nestas com profundidade necessária.
O mundo em depressão econômica causada por fatores endógenos à sua própria lógica funcional está a clamar por medidas antes inimagináveis, como por exemplo a transição gradativa e preferencial de energia fóssil para energias limpas (eólica e fotovoltaica), e não a exaltação do poderio econômico da pretrobrás;
– produção alimentar voltada para a satisfação das necessidades de consumo popular de modo a acabar com a tragédia do fome num país que é o segundo maior produtor mundial de alimentos;
– tratar o mercado como um mal social a ser extirpado, e não como fator de equalização dos problemas sociais;
– acabar com essa história de que tudo se resolve com a retomada do desenvolvimento econômico e substituir essa lógica por um receituário que priorize o desenvolvimento da melhor qualificação da vida, posto que não é o homem que vive para a economia, mas o contrário, posto que as relações sociais justas que devem estar voltadas para a própria vida;
– discussão séria sobre a formatação de uma estrutura jurídico-constitucional de base, sem que tenhamos que aceitar os centrões da vida como mal necessário (à sobrevivência da democracia burguesa por temor à ditadura, quando são apenas um mal desnecessário.  

Mas estou contando as horas para que ultrapassemos este momento de discussões eleitorais estéreis e possamos nos debruçar sobre soluções viáveis e duradouras dos nossos destinos.  
Assim, quero falar de coisas prazerosas que me acompanham nos últimos 60 anos; quero falar dos nossos grupos brasileiros musicais que tantos prazeres nos proporcionaram.  

São eles, pela ordem cronológica de surgimento.

Os cariocas (naturais ou por adoção), subdivididos em dois blocos. O primeiro com Tim Maia, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Jorge Ben Jor, que se uniram inicialmente no conjunto Os Sputniks, para depois encantar o Brasil com melodias tão originais quanto belas,  
e com o outro bloco do pessoal da Bossa Nova, com Tom Jobim, Vinícius de Morais, João Gilberto, Chico Buarque, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, Carlos Lira, Johnny Alf, Nara Leão, Silvinha Telles, Elizeth Cardoso, Agostinho dos Santos, Astrud Gilberto, Miúcha, e outros nomes maravilhosos.

Os baianos, subdivididos em dois blocos, com o primeiro formado por Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Betânia, Gal Costa, Tom Zé, Torquato Neto, Capinam,  
e o segundo pelos novos baianos Morais Moreira, Baby do Brasil, Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes, Carlinhos Brown, Luiz Caldas, Luiz Galvão, Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Margareth Menezes, Cláudia Leite, e outros;

Os Mineiros do Clube da Esquina, com Milton Nascimento, Fernando Brant, Lô Borges, Márcio Borges, Toninho Horta, Beto Guedes, Flávio Venturini, Wagner Tiso, Tavinho Moura, e outros.

Os cearenses, agrupados em torno no que se convencionou chamar Pessoal do Ceará, com Belchior, Raimundo Fagner, Ednardo, Rodger Rogério, Teti, Jorge Melo, Petrúcio Maia, Fausto Nilo, Augusto Pontes, Stélio do Vale, Brandão, e outros.

Os pernambucanos e paraibanos, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Lenine, Chico Science, Zé Ramalho, Elba Ramalho, Nana Vasconcelos, Reginaldo Rossi, e outros
Estes são os meus eleitos, que formaram grupos de produções musicais em cada região e que dão ao Brasil o belo título de país do chamado primeiro mundo da música mundial.  

Como diz o meu amigo e editor jornalístico Osvaldo Araújo, a música é o que mais se aproxima do divino.

Vou ouvi-los para ajudar a superar a mediocridade e a tormenta…

Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;

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Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;