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OS HOMENS INVISÍVEIS ESTÃO NAS RUAS
Os homens invisíveis estão nas ruas. Desde há muito os vejo nas esquinas. Cobertos de papelões, se aconchegam nos viadutos, em busca de escaparem do frio e da chuva. Durante o dia, perambulam atrás de trocados e comida nas portas dos restaurantes e nos semáforos, onde passam como sombras e nos fazem levantar o vidro e baixar os olhos para o celular, pois eles são invisíveis.
Um deles, usuário da fome e das coceiras pelo corpo, resolveu escrever com um pedaço de carvão em um papelão a sua dor invisível. “Ajude estou com fome. Moro na rua e não tenho trabalho. Mais tem Deus pra lhe dar”. Ele mesmo foi testar no sinal o seu banner. Muitos leram sem ver quem estava segurando. O homem por trás do cartaz e de uma máscara suja, com a marca dos dedos na parte que cobre o nariz, passava horas naquela exposição, diante dos motoristas apressados e míopes da realidade. Vez por outra, caía uma moeda. Centavos que estavam nos consoles enfeando a harmonia dos carros. Uma senhora, compadecida com uma mulher invisível, que carregava no colo uma criança invisível, juntou uma moeda de 50 centavos, três de dez e uma de cinco e deu à sua filha que estava no banco de trás.
– Dê essa esmola para essa pequenina que está nos braços dessa mulher.
A menina estendeu a mão, depositou as moedas na cumbuca de plástico suja e, rapidamente, quase teve seu braço preso pelo vidro elétrico acionado pela mãe.
A mãe se virou para a filha e disse:
– Está vendo, como é bom fazer caridade?
E a filha, inocente e sem miopia, respondeu:
– Vamos buscar aquelas bonecas que a senhora ia jogar fora pra ela? Vamos trazer comida pra ela?
Tá bom, recolha sua bolsa, já estamos chegando na aula de inglês.
CARLOS GILDEMAR PONTES - Fortaleza–CE. Escritor. Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Doutor e Mestre em Letras UERN. Graduado em Letras UFC. Membro da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Foi traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Tem 26 livros publicados, dentre os quais Metafísica das partes, 1991 – Poesia; O olhar de Narciso. (Prêmio Ceará de Literatura), 1995 – Poesia; O silêncio, 1996. (Infantil); A miragem do espelho, 1998. (Prêmio Novos Autores Paraibanos) – Conto; Super Dicionário de Cearensês, 2000; Os gestos do amor, 2004 – Poesia (Indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005); Seres ordinários: o anão e outros pobres diabos na literatura, 2014; Poesia na bagagem, 2018; Crítica da razão mestiça, 2021, dentre outros. Editor da Revista de Estudos Decoloniais da UFCG/CNPQ. Vencedor de Prêmios Literários nacionais. Contato: [email protected]