OPERAÇÃO OPUS e o avanço da barbárie institucional no Ceará

Na manhã de quinta-feira (02/03), moradores dos conjuntos residenciais Maria Tomásia, Luiz Gonzaga e José Euclides, todos localizados no bairro Jangurussu, foram surpreendidos com a chamada “Operação Opus”. Numa demonstração de intensa brutalidade, as redes sociais da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS/CE) divulgaram, em tempo real, vídeos e nota alegando que aquela ofensiva da Secretaria, em parceria com a Prefeitura de Fortaleza tinha como objetivo “inibir ações criminosas e revitalizar os espaços públicos”.

A postagem na página oficial da Secretaria, é necessário registrar, foi apagada poucas horas depois. Entretanto, já havia mobilizado perfis de usuários com comentários que faziam apologia à violência, reproduziam a lógica do racismo e segregacionismo social e celebravam o fato de aquela população estar sob a mira de fuzis, que em seus delírios autoritários seria a solução para a violência na cidade. O quanto esses discursos atravessam e são capazes de traduzir setores policiais caracterizados por um bolsonarismo resiliente, é questão importante a ser analisada.

Não obstante o ódio nas redes e a cínica justificativa da operação, é absurda uma ação policial, de suposto combate ao crime, mobilizar helicópteros e policiais armados com fuzis, sobrevoando as casas de conjuntos residenciais construídos às margens da cidade, em territórios habitados por trabalhadoras e trabalhadores que carregam em seus corpos os estigmas da criminalização que os tornam as maiores vítimas da militarização das cidades, violência urbana e segregação socioespacial em verdadeiros territórios da exceção.

Com efeito, o que se viu foi a mobilização de intenso aparato policial para gerar terror em comunidades que há muito lidam com diversas “exclusões” cotidianas, como o precário acesso ao mundo do trabalho com proteção social, condições indignas de habitação, insegurança alimentar e nutricional, vivendo às voltas da imposição perversa da invisibilidade social. Mesmo que a ação ostensiva fosse inevitável, as melhores práticas internacionais consolidadas na área da segurança pública apontam para outras formas de execução.

Para enfrentar empreendimentos criminosos, principalmente aqueles que articulam de forma complexa mercados ilegais de armas e drogas, corrupção pública e privada e dominação territorial através de milícias ou facções armadas, questões que atravessam nosso estado, a saída deve ser construída, do ponto de vista repressivo, através do fortalecimento da inteligência nas ações do Estado, com mira no sufocamento dos circuitos ilícitos de financiamento esses grupos criminosos. Afinal, enfrentamentos ostensivos causam maior sofrimento social e, muitas vezes, mortes evitáveis, além de resultarem em baixíssima efetividade.

As pessoas que vivem nos residenciais de nossa cidade, em áreas sem infraestrutura adequada, com difícil acesso aos serviços básicos de saúde, saneamento, educação e equipamentos culturais, na verdade precisam de políticas de segurança que não as tomem como inimigas, práticas que remontam ao entulho autoritário que a maior parte do país sinalizou rejeitar nas últimas eleições.

A ofensiva do Estado deve ser no combate aos longos processos de expulsões e espoliação urbana que atingem nossas gentes das periferias, na superação de toda forma de opressão, isso através do fortalecimento de políticas culturais cada vez mais descentralizadas e enraizadas nos territórios, com frentes de trabalho socialmente protegido, moradias populares com plenas condições de habitabilidade, com iniciativas de promoção dos direitos humanos. O alvo deve ser a barbárie.

*Este texto foi escrito em colaboração com Sérgio Farias, Membro da Coordenação Nacional do MTST e militante do movimento no Ceará.

David Moreno Montenegro

Cientista Social, Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) com Pós-Doutorado pelo Instituto de Estudios de América Latina y el Caribe - IEALC, na Universidad de Buenos Aires (UBA). Professor de Sociologia do Instituto do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) - Campus Fortaleza. Coordenador do Centro de Estudos Políticos e Sociais - CENTELHA/IFCE e Membro da Coordenação Estadual do MTST – CE.

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