O fascismo e o nazismo do início do século passado passaram a ser tema das redes sociais, onde se está discutindo como as pessoas viviam nesse ambiente conflituoso e se busca também a explicação de seu aparecimento. Foi um fenômeno que marcou de fato o século XX e essa geração percebeu que o clima de ódio instalado nesse convívio tirava a civilidade da convivência social. O lado marcante foi a perseguição implacável aos judeus, mas não só. Marcou, sem dúvidas, o século XX porque foi o auge de um tempo que o historiador inglês Eric Hobsbawm chamou de Era dos Extremos. Os historiadores destacaram a dinâmica de como o fenômeno se apresentou na época. Ele teve início na Itália, em 1922, com Mussolini — Hitler viria depois com a Alemanha. Esse processo se espalhou na Europa, Salazar em Portugal e Franco na Espanha, por exemplo. Chegando a vários cantos do mundo. O Brasil teve sua experiência com o Integralismo.
Eric Hobsbawm destacou também como o século mais curto da história, tendo início após a Primeira Guerra Mundial e que terminando com a queda do muro de Berlim, e foi marcado pela guerra fria, a presença dos extremos e também a “era das ilusões perdidas”. Estavam presente valores contraditórios da modernidade: o Capitalismo e o Socialismo, que passaram a ser a aposta para o fim da história. Podemos já dizer que o século XXI começou a se reestruturar e a sua marca será também de extremos e já se apresenta da mesma forma, com a chegada novamente de uma nova direita?
Sobre o nazi-fascismo, o trabalho de Herbert Marcuse em Razão e Revolução chama a atenção para o cenário da Segunda Guerra Mundial como consequência geopolítica de uma ordem mundial que se estruturava. A crise da economia e a burguesia buscavam espaços na globalização em formação. Inglaterra e França, os primeiros a fazerem uma revolução burguesa, dominavam e o ambiente não favorecia aos emergentes. Nesse contexto, os países que se unificaram já no final do século XIX tiveram dificuldade de fortalecer sua burguesia: juros altos e movimento operário forte. Itália e Alemanha foram lideranças da quebra do nascente liberalismo. Diz Marcuse:
“As raízes do fascismo originam-se no antagonismo entre crescente monopolização industrial e o sistema democrático. Na Europa, depois da Primeira Grande Guerra Mundial, a engrenagem industrial altamente racionalizada e em rápida expansão, encontrava crescente dificuldade de utilização, principalmente devido à ruptura do mercado mundial e à rede de legislação mundial ardentemente defendida pelo movimento trabalhista. Nesta situação, os mais poderosos grupos industriais tendiam a assumir diretamente o poder político para organizar a produção monopolista com o fim de destruir e retomar o expansionismo imperialista. Quando o fascismo, finalmente, demoliu o arcabouço liberalista da cultura, aboliu, efetivamente, o último domínio em que o indivíduo poderia proclamar seus direitos contra a sociedade e o Estado.” (Marcuse, Herbet, Razão e Revolução, Rio, Saga, 1969, p. 368/369.
Com este quadro, o integralismo, no Brasil, seria mais um mimetismo, uma onda que, como destacamos, se espalhou pela Europa e América Latina e outros lugares. Isso acontece também quando olhamos para o quadro interno do integralismo brasileiro. Isso fica mais caro quando olhamos para a obra pioneira de Helge Trindade que percebeu que sua liderança estava essencialmente em três Estados de algumas regiões brasileiras: São Paulo, Ceará e Minas Gerais. Minha questão, ao lê-lo, foi saber por que o Ceará, um Estado sem uma burguesia significativa. A resposta foi a hegemonia política. O apoio que a Igreja deu ao movimento e sua capacidade de organizar a sociedade civil cearense fortaleceu o movimento. Quando a Igreja percebeu a autonomia do Integralismo tirou o apoio e assistimos seu enfraquecimento. É, pois, o mimetismo. Um movimento ideológico fora do local.
Um século depois vemos novamente movimentos autoritários ressurgirem. Se a direita que observamos no século XXI tem características diferentes da que floresceu no século XX, a eleição de Bolsonaro também tem características próprias. Não é o liberalismo de Guedes, mas o conservadorismo representado sobretudo no movimento religioso, sobretudo o evangélico, embora um setor da Igreja Católica também busque usufruir desse momento.
Só crescemos em crises, pois somos propícios para o conservadorismo. Nestas ocasiões é que podemos refletir sobre as possibilidades de buscar alternativas mais racionais para novas acomodações. Crise econômica, política, sanitária e de ética nos desafiam e empurram para uma reflexão. O passado apenas orienta possibilidades. Olhamos apenas para o espelho. Como vencer o desafio da conjuntura?
Vamos em frente !