Ode ao Doutor Dallari

 

A força do direito deve superar o direito da força.”

Rui Barbosa

Há pessoas que deixam um rastro de luz em sua passagem pelo nosso Planeta. Sem dúvidas que o Doutor Dallari foi um destes seres iluminados que com sua luz eliminam as trevas do obscurantismo.

Tive o prazer de funcionar como seu assistente de acusação num evento em Fortaleza, então patrocinado pelo CDOP – Comitê Democrático Operário Popular, denominado Tribunal do Genocídio.

Corria o ano de 1984, e havia sido um ano de bom inverno após cinco anos da chamada seca verde, de 1979 a 1983, denominação que se dá no Nordeste aos anos de chuvas escassas que mudam o cenário cinzento do semiárido colorindo-o da cor da esperança, sem, entretanto, produzir suficientemente alimentos e armazenamento de água.

Nos cinco anos anteriores haviam morrido ou emigrado para o sul maravilha ou para o norte (esta última região é grandemente povoada por cearenses, predominantemente, e nordestinos de outros estados) cerca de 10 milhões de pessoas.

Exemplo marcante de tal histórica emigração nordestina temos no Estado do Acre, ocupado consensualmente por cearenses, e que antes era território boliviano e que terminou incorporado ao território brasileiro.

Como eu, que era ligado ao Cardeal Aloísio Lorscheider (que quase foi um papa brasileiro), o Doutor Dallari era ligado a Dom Evaristo Arns, o anjo bom dos perseguidos políticos da ditadura militar, ambos clérigos fundadores de Centros de Defesa dos Direitos Humanos, onde atuamos como advogados.

O auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará serviu de sede do Tribunal do Genocídio, que apurava o descaso da ditadura militar, em fim de festa macabra, para com a região nordestina diante da tragédia climática que então agravava o fenômeno da seca, prenunciando o que agora se sabe tratar-se de um processo de aquecimento global causado pela irracionalidade capitalista que emite sem parar gases poluentes na atmosfera.

A sua fala brilhante me inspirou, sem o mesmo brilho, a corroborar as suas explanações contundentes e bem embasadas que provocaram aquele silêncio típico de respeitosa e atenta audiência numa plateia de estudantes e populares sequiosos em expor com palavras de ordens suas indignações.

Assim era o Doutor Dallari, capaz de viajar cerca de 3.000 km, de São Paulo a Fortaleza, sem cobrar nada, para proferir um libelo acusatório brilhante e nascido da sua correta indignação contra uma ditadura que vivia os seus estertores.

Ele havia sido um dos pilares de sustentação da volta ao Estado de Direito que então tomava forma. O seu exemplo é imorredouro e se constitui como uma pilastra de glória no panteão dos heróis do povo.

Obrigado professor, você foi nosso mestre.

Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;

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Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;