O comportamento manada tem regido em muitas oportunidades, se não preponderantemente, as atitudes coletivas. São muitos os exemplos da irracionalidade comportamental dos seres humanos nesta fase de sua segunda natureza dita racional.
O prenúncio de guerra pela disputa da hegemonia geopolítica da Ucrânia, entre Rússia e o Ocidente (com a palmatória do mundo, os Estados Unidos à frente), que tem abalado os mercados mundiais, as bolsas de valores, e as moedas fiduciárias internacionais tidas como fortes (que não o são, na realidade, e somente são assim consideradas por mera crendice irracional ilógica) em pleno início do século 21, é o exemplo mais evidente de que não superamos o móvel fundamental que levou a humanidade à bestialidade das duas guerras mundiais (1914/1918 e 1930/1945).
A busca da hegemonia econômica e política de um país contra o outro é o que prepondera, mesmo que a hipócrita diplomacia de salão teime em negar e sempre tentando afirmar (falsamente) a busca de relacionamento solidário entre as nações.
Já afirmei em outro artigo que o nacionalismo patriótico é genocida e idiota.
É genocida porque na ânsia de melhorar a vida dos seus nacionais sob a mediação do capital, que nada mais é do que uma lógica de relação social subtrativa e escravista, é o ganho de capital extraído de quem compra as suas mercadorias nacionais (aí incluídos os ganhos de capitais empresariais e bancários internacionais) aquilo que permite uma relativa melhoria do padrão de consumo de cada país, ainda que mesmo assim existam grandes desigualdades social nos países ditos ricos, e em detrimento dos demais.
Os Estados Unidos, por exemplo, que detém o maior PIB do mundo, é o país de mais desigualdade entre os ricos; e o Brasil é o mais desigual entre os países em fase de desenvolvimento econômico (ora estagnado em maior proporção do que se observa de modo generalizado mundo afora).
O capital formatou os Estados nacionais como hoje os conhecemos, e as suas sanhas belicistas, nas quais cada capitalista tenta aumentar o seu capital como forma de sobrevivência na guerra concorrencial de mercado num processo de busca de monopólio empresarial vital, é o padrão.
Evidentemente, os estados nações não poderiam fugir deste comportamento.
Não se pode querer que numa casa de jogos todos saiam ricos e felizes; ou que numa luta de MMA não saia alguém derrotado e quase sempre arrebentado.
As nações são inimigas uma das outras do ponto de vista político e econômico graças ao seu modo de produção social capitalista, e isto somente pode ser alterado ou superado a partir de um novo modo de produção solidário, no qual o que não existe aqui em termos de recursos materiais possa servir àquele que não o tem e vice-versa.
Isto não significa que hoje todo o povo de cada nação seja insensível à vida do seu vizinho, ainda que quando induzido coletivamente pela cantilena xenófoba (e essencialmente capitalista) de que o imigrante prejudica o seu bem estar, seja intolerante e insensível ao sofrimento alheio.
Muitas vezes são os próprios imigrantes já aculturados e com visto de permanência definitiva num determinado país aqueles que se posicionam contra seus semelhantes, sem olhar para o próprio rabo (o Donald Trump, descendente de imigrantes alemães que enriqueceram, que o diga).
A guerra é bestial porque o escravismo do ser humano é bestial. Foi assim nas sociedades primitivas imperiais ou feudais, e é assim, nas sociedades capitalistas, e com uma capacidade destruição infinitamente maior e perigosamente própria à ordem capitalista mundial em fim de festa.
O poder bélico que matou 50 milhões de pessoas de 1939 a 1945, que sequer se conheciam ou sabiam da existência daqueles que matavam, e agora se corporifica na capacidade de extinção do ser humano sobre a face da terra; e são muitos os países que detêm tal poderio.
Pergunta-se: o que faria Adolf Hitler, quando era iminente a sua captura pelo exército vermelho a 500 metros de seu bunker, se pudesse apertam o botão de uma bomba atômica capaz de destruir a humanidade?
A irracionalidade coletiva do ser humano contrasta incompreensivelmente com os seus prodígios científicos ora alcançados, e tudo por conta de uma base de mediação social decrépita, obsoleta, que insiste em se preservar como testemunho de um torpor irracional coletivo, e que reduz o ser humano à condição de ser guiado destrutivamente por algo que ele mesmo formatou e ao qual ele obedece cegamente: a mercadoria.
É o exemplo mais claramente perceptível do feitiço virando contra o feiticeiro.
Outro exemplo flagrante do torpor irracional e coletivo é o tratamento dado pelos países ao meio ambiente. Poluímos os rios, os mares, as lagoas, o subsolo, a superfície terrestre, e o ar que respiramos seguidos pela flauta mágica do capital e seu fetiche destrutivo e autodestrutivo.
Como não se conceber como um torpor irracional coletivo guiado por um fetiche econômico ecocida o fato de que as duas nações de maior PIB do mundo, os Estados Unidos e a China sejam continuadamente as maiores emissoras de gás carbônico na atmosfera provocando o aquecimento global que ameaça a vida animal e vegetal do planeta?
A cop26 propõe que se reduzam tais emissões de gases poluentes e que se substituam tais emissões por energias limpas que a ciência já provou serem possíveis de existir e eficazes. Entretanto, as decisões e compromissos formalmente assumidos viram letras mortas tão logo os países que os assinaram se deparam com a estrutura de poder econômico e político que os impelem à continuação das práticas antiecológicas ecocidas.
Quando se está preso ao poder econômico (digo preso porque é uma prisão do pensar e da vaidade de comando, ainda que autofágico) e amparado pelo poder político a ele submisso, a única coisa que se quer fazer é manter o próprio poder, e nunca negá-lo. Negar o poder seria um ato de renúncia altruísta que não se pode esperar de um ser dominado pelo fetichismo da mercadoria.
Somente a sociedade civil, movida por um processo de conscientização social disseminado de fora pra dentro da estrutura de poder, negando-o, é o que pode mudar a rota de colisão com o desastre ecológico anunciado.
Outro exemplo flagrante é a recusa de uma percentagem da população que se nega a tomar as vacinas contra a covid19, prevenção profilática comprovadamente eficaz e fruto do sábio e heroico proceder dos dedicados cientistas que em seus laboratórios de pesquisas, tentando desvendar as fragilidades de um vírus microscópico que tem sido capaz de matar milhões de pessoas mundo afora, conseguiram produzir ao anticorpos vacinais capazes de destruí-lo.
São os racionais cientistas os que lutam silenciosamente contra a obtusidade irracional de negacionistas como os que fazem este governo trágico, genocida e terminal do Boçalnaro, o ignaro, com seus gurus de triste memória que terminaram vítimas do próprio veneno que destilavam (o vírus, por não ser seletivo, não mata apenas os pobres, mas aqueles que desde o exterior votuperaram insanidades capazes de serem aceitas pela irracionalidade setorizada nacional).
Vemos, pelas estatísticas, que a variante ômicron do vírus civid19, embora tenha uma capacidade de propagação maior que as anteriores, e que está lotando as unidades hospitalares e postos de saúde, não tem o grau de letalidade anterior, e tudo se deve ao fato de que as vacinas, comprovadamente, abrandam a sua capacidade de levar os contaminados aos óbitos.
Somente se pode atribuir a oposição destes segmentos à vacina graças à existência de um torpor irracional coletivamente localizado, regidos diretamente ou com subterfúgios e sinais contrários pela cúpula governamental dirigente, que promove a propagação de ideias e deduções contra as vacinas, aos invés de apoiá-las como políticas públicas de urgência.
Mas não é apenas no segmento militar belicista, ecológico, ou medico-científico que se pode observar a existência de um certo torpor irracional coletivo.
A irracionalidade também se observa no campo financeiro.
A primeira delas é se aceitar, inquestionavelmente, como válido, o valor das moedas fiduciárias como representação fidedigna do dito cujo. A moeda, ou padrão monetário, é (ou deve ser) a representação numérica da abstração valor, que por sua vez é a corporificação do tempo-valor na produção de mercadorias.
A mercadoria dinheiro fora da representação do valor, ou do tempo-valor (valor médio de hora de trabalho abstrato na produção de mercadorias decorrente da massa global de valor produzido), é fake News.
Desse modo, a emissão de moeda sem lastro no tempo-valor, como ora ocorre com as moedas mais fortes e em circulação no mundo (o dólar dos Estados Unidos; o euro da União Europeia; e o yuan chinês), representam um artificialismo fiduciário que num determinado momento histórico evidenciar-se-á como inconsistente.
Será o momento da grande ruptura com o modo de mediação milenar que vem se desenvolvendo e se estruturando sob a forma valor desde o seu embrião ungido pelo escambo, a troca quantificada pelo tempo médio de trabalho hipostasiado, incorporado, na forma-mercadoria,
Um saco de trigo continuará sendo um saco de trigo até o final dos tempos, e terá preservado o seu valor como algo capaz de suprir necessidade humana e animal de consumo graças à sua natureza de alimento; mas não como valor monetário. Um saco de trigo tende a desaparecer como mercadoria, como algo capaz de ser trocado pelo critério do valor monetário (a compra e venda), simplesmente porque já não mais existirá mercado, mercadoria e padrão monetário num futuro determinado.
Ora, se as moedas oficiais são, atualmente, fake News, o que dizer das criptomoedas, que nada mais são do que uma cesta destas moedas oficiais, e unificadas num fundo numericamente pre-estabelecido e definido no mercado de compra e venda pelo valor na moeda universal (o dólar ou mesmo outra que venha a ser usada) que se autovaloriza pela lei da oferta e da procura dela mesma sem produzir riqueza abstrata representada por novas mercadorias produzidas, mas que somente temporariamente se tornam capazes de comprar as mercadorias do sistema que as produz?
A valorização sem substância das criptomoedas corresponde à versão moderna da picaretagem das antigas pirâmides, hoje criminalizadas como vigarice estelionatária.
A validade das criptomoedas somente poderá produzir efeitos até o momento em que se evidenciar a sua inconsistência do tempo-valor de trabalho abstrato nelas inexistente. Neste momento, que pode ocorrer mais dia menos dia, todo o edifício erigido em torno das criptomoedas ruirá como um castelo de cartas ao vento forte.
Como não considerar como um torpor irracional coletivo a eleição em 2018 de um candidato que como parlamentar somente defendeu interesses corporativos salariais sem considerar o todo da população que representou;
– que exaltou torturadores e assassinos de presos políticos indefesos após a prisão;
– que fez propaganda das armas como símbolo de campanha, ao invés de jamais questionar as causas primárias da violência urbana;
– que queria matar presidentes (FHC e Dilma);
– que queria explodir a represa do Guandu, e matar milhares de pessoas e que por isto foi exonerado do exército e promovido de tenente a capitão;
– que ofendia as mulheres parlamentares e os parlamentares gays;
– que jamais apresentou projeto de lei em benefício da população, etc.?
Vamos ficar por aqui, lembrando também a irracionalidade do trânsito nas grandes metrópoles, já abordado em outro artigo, como mais um exemplo do torpor irracional coletivo, e o fazemos como esforço de denúncia de que devemos ter muito cuidado com o que a sociedade admite como necessário, bom ou permanente, aí incluída a bestialidade da guerra.
Assim, a crença de que há democracia pelas mãos das eleições burguesas é apenas mais um sintoma de que o torpor da irracionalidade coletiva grassa e se alastra tal como fogo no desmatamento da Amazônia.
Dalton Rosado.