A ditadura burguesa é espécie consciente e aloprada do gênero capitalismo.
A democracia burguesa é espécie hipocritamente civilizada do gênero capitalismo.
Ambas são, além de autodestrutivas, predatórias da vida social e do meio ambiente.
Como o capitalismo não é este santo todo que se quer apregoar quando se faz a defesa enfática dos cânones democrático-burgueses, há que se desconfiar sempre de sua santidade.
É claro que há matizes mais ou menos acentuados em cada espécie do gênero capitalismo; mas tudo é apenas uma questão de circunstâncias.
Um ditador nascido de pressupostos racistas e beligerantes como os que fundaram o Partido Nazista, mesmo que ungido ao poder pelo voto (mas só depois de um fracassado putsch em Munique, na Alemanha), jamais perdeu a sua essência original, metamorfoseando-se de acordo com cada circunstância.
O gigante se conhece pelo dedo.
Assim Adolf Hitler procedeu até assumir a identidade cruelmente genocida e incontrolável a cada passo de sua existência até a derrocada final. Infelizmente, graças à desesperança no capitalismo democrático-burguês, observamos haver tendências de ressurreições nazistas cada vez menos subterrâneas.
Hitler era um aloprado, e todos os dirigentes que o seguiram na sanha genocida que foi implementada de 1933 a 1945, também o eram. Semelhante atrai semelhante, é a regra sociológica cientificamente comprovada.
O que esperar de alguém que afirma que uma ditadura militar deveria ter matado 30.000 “subversivos”; que tem como ídolo um militar que torturava e matava presos indefesos, que até na guerra convencional são relativamente respeitados; e que condecorou milicianos???
Quem não te conhece que te compre.
Mas a democracia burguesa não á aquela que “civilizadamente” mandou matar:
– Che Guevara depois de preso e indefeso, com ordens desde o capitólio aos seus submissos gerdarmes sul-americanos que as obedeceram incontinenti?
– Salvador Allende por militares das forças armadas chilenas quando este primeiro exercia o poder democrático burguês depois de democraticamente eleito?
– por sentença judicial Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, pelo simples fato destes cidadãos pensarem diferentemente do stablishment burguês?
– não é um governo democraticamente eleito que aperta a mão sem constrangimento de gente como o governante Salman bin Abdulaziz Saud, da Arábia Saudita, que manda matar opositores?
Como se admitir democrático um sistema sob o qual grassa a fome e a desigualdade econômica?
Como se aceitar como democrática a discriminação racial sistémica que manda para os guetos e prisões uma desproporcional porcentagem de pessoas da etnia africana?
Como se aceitar o analfabetismo crônico secular numa era digital?
Como se aceitar como democrático um parlamento fisiológico, eleito sob o tacão da pobreza dos rincões interioranos profundos, e que controla os impostos pagos pelo povo exaurido ao talante do interesse mantenedor da dominação num ciclo perniciosamente secular?
Não quero aqui dizer que as ditaduras que governam sem os filtros da democracia burguesa é a mesma coisa que a democracia burguesa com a institucionalização de cânones civilizatórios conquistados a duras penas.
Mas é preciso se dizer que muitos mártires dos avanços civilizatórios hoje vigentes foram os atrevidos denunciadores daquilo que o stablishment escravista anterior considerava como crime, e que agora são tratados merecidamente como heróis.
O voto feminino, de recente inclusão no receituário democrático burguês, foi uma conquista social relevante diante das circunstâncias jurídico-constitucionais que somente facultava o voto aos homens alfabetizados, e era descaradamente dominado e controlado pelos senhores feudais que então se transformavam em neocapitalistas.
Entretanto, não podemos admitir que as evoluções havidas, e que devem ser assim consideradas em relação ao status quo social anterior, devam se constituir num imobilismo conformista no qual o medo do pior se constitui como alternativa de aceitação do ruim.
Ainda ontem ouvi, atento, os argumentos bem explanados por dois candidatos de experientes formações jurídico-administrativas (Ciro Gomes e Simone Tabet), e que pode impressionar pela desenvoltura, a ponto de deixar calados e sem contra-argumentos, experientes e competentes jornalistas que os entrevistavam.
A mim me dava uma comichão de vontade de contraposição aos argumentos apresentados pelos dois candidatos, como se eu pudesse entrar na televisão para participar do debate.
Outro dia, assistindo ao discurso de lançamento da candidatura de Ciro Gomes, constatei, sem surpresa, as meias-verdades e autoelogios por ele proferidos em detrimento da Administração Popular, primeira experiência de um governo inicialmente petista do qual fiz parte como Secretário de Finanças.
Não é repetitivo dizer que da experiência da Administração Popular saí para ser candidato com o apoio da então Prefeita Maria Luíza, numa eleição por ele (Ciro) vencida para a Prefeitura de Fortaleza nos idos de 1988 (fui candidato pelo Partido Humanista, que se formava e depois não vingou, em face de nossa expulsão ideológica do PT), e pude contestar firmemente e pontualmente cada citação mentirosa a nós imputada.
Ontem, no debate eleitoral o cerne dos meus argumentos de contraposição seria feito com raciocínios fora da caixa, posto que as proposições aparentemente salvadoras apresentadas não teriam (e não têm) consistência sob um capitalismo decadente e seu Estado falido em decorrência desta falência estrutural de onde retira a sua seiva econômica.
Os argumentos expendidos abstraem os números da depressão econômica mundial na qual estamos inseridos como se fôssemos isentos à ela usando os mesmos mecanismos ora vigentes, e as estatísticas da realidade social de tragédia insuperável sob o capital eram citados como se estes candidatos não pertencessem, como governantes que foram (e como parlamentares), às causas desta mesma realidade.
Se contrapor ao capitalismo e sua lógica de retomada do desenvolvimento econômico as partir de determinados pressupostos (falsos) não está facultado aos(às) jornalistas de uma empresa que detém forte importância no contexto capitalista.
Mas somente um jornalista com a alma revolucionária e independência como um Celso Lungaretti (que evidentemente um jornalista da Globonews não tem, por mais competente que seja, e são), e num debate sem patrocínio mercantil e por um veículo de comunicação isento, poderia colocar as coisas sob um raciocínio fora da caixa e demonstrar que a ingovernabilidade não está circunscrita a critério de competência administrativa, mas de impossibilidade econômica de salvação.
Boçalnaro, o ignaro, tornou evidente a sua ignorância político-estratégica e está isolado.
Ainda ontem o seu Ministro da Defesa em reunião com seus pares internacionais, se contrapôs (ainda que com palavras de duplo sentido, num malabarismo retórico evidente) ao seu discurso de derrotado; até o Presidente da Câmara Federal teve o desplante de contrapô-lo ao vivo e deixando desconfortável aquele que lhe deu o orçamento secreto.
Mas não nos iludamos, o Presidente e sua horda de fanáticos, tal qual Donald Trump, tentará sair do poder atirando, e talvez se exilando e fugindo de uma possível cana por tantos desmandos e crimes de responsabilidade cometidos.
Precisamos, portanto, de nos mobilizarmos na contraposição ao pretendido golpe, sem considerar que as forças ultraconservadoras estejam mortas e sepultadas; elas estão apenas isoladas, mas vociferando.
Precisamos de uma nova ordem jurídico-constitucional fora da lógica do capital, verdadeiramente popular, que dê ao povo, pela primeira vez nesta terra brasiliana, a capacidade de decidir, acertar, errar, consertar e comemorar aquilo que for o resultado de sua responsabilidade soberana.
Dalton Rosado.