O RELÓGIO DA MORTE: GENOCÍDIO SIONISTA NA PALESTINA Carlos Gildemar Pontes* e José Leite Jr.**

As Convenções de Genebra são um amplo conjunto de regras humanitárias que se estabeleceram na proteção dos inocentes e dos não envolvidos em conflitos. Quando duas nações se envolvem numa guerra, há protocolos de defesa dos direitos humanitários que envolvem condições de sobrevivência e respeito às ações da Cruz Vermelha e de entidades que protegem as pessoas da crueldade e do genocídio, como princípio básico de existência humana.
Nas recentes guerras envolvendo países do Ocidente contra o Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Rússia, as motivações são mais econômicas e de posse de bens e territórios do que qualquer outra desculpa utilizada para falar em direitos humanos. Logo o Ocidente, que pratica genocídios desde o Império Romano até o Holocausto contra os judeus, sabe que é preciso estabelecer uma desculpa para invadir e apagar identidades e culturas em nome de uma civilização que se firmou em cima de mortes e enriquecimento fruto de saques. Assim foi nas Américas. Portugueses, espanhóis e ingleses dizimaram milhões de nativos em nome de uma civilização que precisava expandir seus domínios internos, porque precisavam evitar os conflitos com os vizinhos, em função de não haver mais espaço territorial livre na Europa.

Num longo período histórico, que remonta à Macedônia de Alexandre, passa pelas Cruzadas, numa longa ofensiva dos reis católicos usando a Igreja Católica e Deus como justificativa para salvar almas, mas roubando, pilhando e matando sem piedade sob pretexto de resgatar a Terra Santa do poder dos muçulmanos, entra na época das navegações, quando a Europa alarga seu domínio sobre todos os continentes, à custa da escravidão e do genocídio, passa pelo liberalismo burguês protagonizado por Napoleão Bonaparte, aprofunda-se na reação do regime de Adolf Hitler não só ao domínio colonial francês e inglês, mas também à Revolução Russa, e chega à contemporaneidade numa sucessão de guerras, como as promovidas pelos governos Bush pai e filho, que têm, em comum, a psicopatia de poder absoluto e o desprezo pela humanidade que não seja a de seu próprio estado colonial ou imperial.
Neste exato momento, mais uma página se desdobra nessa longa história de horrores. O noticiário focalizou o dia 7 de outubro de 2023, com a surpreendente reação unificada de braços armados de organizações políticas palestinas atuantes na Faixa de Gaza, com destaque para o Hamas. A insurreição pode ter deixado um saldo de 1.200 vítimas, entre militares israelenses e civis que ficaram no fogo cruzado da ação, que para uns foi um ato de terrorismo e, para outros, de legítima resistência do colonizado diante da repressão do colonizador sionista. Como os conflitos armados não se operam somente no campo de batalha, mas se reproduzem no campo discursivo, percebe-se um embate entre os que interpretam o 7 de outubro como um fato episódico e os que o entendem como ápice de uma série histórica que remonta ao século XIX, distribuindo-se em três fases: a criação do sionismo, a recepção do sionismo pelo imperialismo britânico e a colonização sionista no território palestino. Diferentemente do que se costuma imaginar, o sionismo não é uma criação bíblica, mas uma proposta de organização política judaica que tem, dentre seus pioneiros, o jornalista judeu austro-húngaro Theodor Herzl (1860-1904), autor de O Estado Judeu (1895). Nesse primeiro momento, formam-se organizações sionistas, de modo que começa a se delinear a ideia de “Uma terra sem povo para um povo sem terra”. O que estava no plano das ideias ganharia consistência jurídica em 1917, com a Declaração de Arthur Balfour, secretário britânico para assuntos estrangeiros. Em carta ao Lord Rothschild, Balfour manifesta o interesse britânico de estabelecer na Palestina o “Lar Nacional do Povo Judeu”. Com a derrota do Império Otomano no final da Primeira Guerra Mundial, a Palestina passa a protetorado britânico, sendo adotada uma política migratória de recepção dos judeus sobretudo da Europa (Ocidental e Oriental). À medida que chegavam os judeus, o que era uma convivência relativamente pacífica entre palestinos (muçulmanos, cristãos e mesmo judeus ancestrais) e os imigrantes esta “convivência pacífica” passou para manifestações que variaram da greve até as insurreições armadas. Tais reações foram duramente reprimidas pela administração colonial inglesa. Em face da resposta palestina e da tentativa de controle migratório britânico, formaram-se grupos armados sionisas (Haganá, Irgun e Lehi), que estão na origem das forças armadas e dos partidos políticos de Israel. Após a Segunda Guerra Mundial, os ingleses, diante das dificuldades de sustentar o conflituoso protetorado, abre o campo para a formação do estado sionista, ao lado do palestino. Os grupos armados sionistas, que já atuavam taticamente pelo terrorismo contra a administração inglesa, passaram a empreender sua própria guerra colonial, em detrimento dos povos originários. O ano de 1948 marcou o que o povo palestino chama de Nakba (Catástrofe), tendo forçado o deslocamento de mais de setecentos mil habitantes, sob toda forma de violência, pilhagem e ocupação das propriedades que iam sendo desalojadas ou destruição das que não eram interessantes para a escalada colonial. É daí que vem o símbolo da chave, que os palestinos guardam como relíquia, simbolizando a esperança de regresso ao lar. Em 1949, a Organizaçãoo das Nações Unidas admitiu Israel como estado; mas, até nossos dias, ainda não se efetivou a promessa das Nações Unidas em tornar a Palestina o mesmo direito de também ser estado.

Como mostram as evidências históricas, foi criado na região onde vivem os palestinos, por imposição da Inglaterra imperial, o estado de Israel. Dominado pelos sionistas, os judeus que haviam sido trucidados por Hitler, intensificaram a ocupação em curso do território palestino, antes comprando fazendas e em seguida lançando mão de armas para afastar os povos originários e ganhando espaço através da força. E quanto mais judeus chegavam de toda a Europa, mais espaço iam ocupando e tomando terras a pretexto de que ali seria a Terra Santa.

Vendo seu povo ser massacrado cada vez mais por um povo invasor e agressor, os palestinos retomaram a resistência já existente sob domínio britânico, mas superiormente organizada através de lideranças como Yasser Arafat, fundador do Fatah (1959), que tinha livre diálogo com as nações ocidentais. Outras organizações palestinas, como a Frente Popular de Libertação da Palestina, de orientação marxista-leninista, estão na gênese da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), em bases laicas. Os esforços em prol da criação do estado Palestino pareciam consolidar-se no dia 13 de setembro de 1993, quando Yasser Arafat, à frente da OLP, e Yitzhak Rabin, primeiro-ministro de Israel, assinaram os Acordos de Oslo, tendo como mediador o presidente estadunidense Bill Clinton. No entanto, o fanatismo sionista não suportou a possibilidade de celebração de paz, e assassina Rabin em 4 de novembro de 1995, com dois tiros pelas costas desferidos por Yigal Amir.

Com a morte de Arafat (possivelmente envenenado), vários grupos árabes resolveram barrar o genocídio já em curso, que tinham no seu principal alvo os ocupantes da Palestina. Do território original, antes da chegada dos judeus, até hoje, a Palestina perdeu 80% do seu território e vê seu povo ser dizimado sem poder reagir porque não tem Exército, Força Aérea ou Marinha, ficando seu povo à mercê de uma proteção de uma força estatal. Grupos atuantes na área do conflito iniciado mês passado, como o Hamas, provocaram a reação desproporcional e com requintes de crueldade absoluta por parte de Israel. Cabe lembrar que o Hamas é um partido político, tendo sido eleito para a administração ode Gaza, em 2006. No entanto, o governo israelense, endossado pelo estadunidense, jamais admitiram essa vitória eleitoral, no que resultou um cerco humilhante de sua população. Gaza teve porto e aeroporto destruídos por bombardeio. A água, a energia e as comunicações são controladas pelos israelenses. Ao longo de dezessete anos, a região foi alvejada por bombardeios sobre a população civil, sob pretexto de atingir os grupos de resistência armada.

Mesmo diante de fatos que enquadram o governo sionista nos crimes de guerra e crimes humanitários, o Ocidente, através da sua mídia amestrada e conivente, transformou Israel em vítima e os palestinos em terroristas, não distinguindo os integrantes do Hamas do povo palestino. Os indescritíveis eventos destes dias após 7 de outubro já somam mais de doze mil mortos, a maioria dos quais crianças e mulheres. Habitações civis, prédios comerciais, escolas, universidades, templos religiosos e hospitais são alvos de incessantes bombardeios. O Holocauto judeu cede lugar ao palestino, numa monstruosa ironia histórica.

Em face desse cenário trágico, milhões de pessoas estão se reunindo em vários países do mundo pedindo o fim do massacre sionista e liberdade para os palestinos. Como não podem conter ou apagar os fatos fartamente divulgados nas redes sociais, alguns chefes de estado estão pedindo a Israel que libere um corredor humanitário para que se leve até os palestinos confinados em Gaza, água, comida e remédios, já que Israel destruiu até mesmo o hospital que abrigava doentes e feridos.
O Brasil, através de comunicado oficial, se posicionou pela defesa dos inocentes, especialmente das crianças, que representam os mais indefesos e que já morreram mais de cinco mil. Para estranhamento geral e rompendo os protocolos e as convenções políticas de todas as nações, o embaixador de Israel se reuniu com integrantes da extrema direita brasileira, dentre os quais estava o ex-presidente derrotado e tornado inelegível por crimes diversos praticados durante o mandato.

Ao se reunir para pedir apoio aos atos de barbárie praticados em seu país, o embaixador não só rompeu com o princípio diplomático como se posicionou um opositor do governo brasileiro. Atos desta natureza devem ser tomados como ilegítimos e desrespeitosos, perigosos por aglutinar políticos negacionistas, anti-vacinas e favoráveis às queimadas e a todos os atos que redundaram em mortes durante a pandemia. Muitos destes políticos presentes na reunião estão sendo processados e investigados pela Polícia Federal.

A opção do embaixador de Israel revela claramente que tipo de política é praticada pelos sionistas que estão no poder. Resta ao governo brasileiro o que determina a boa regra de convivência, que se expulse o embaixador e todos funcionários da embaixada que assim agiram e que se agilizem os processos contra a corja bolsonarista que continua impune e debochando da justiça brasileira.
Mas o Brasil deve manter-se firme em sua diplomacia em prol não de uma paz idealizada, mas conquistada pelos mecanismos de pressão dos povos, organizações e países que não se alinham ao terror sionista. Ações mais enérgicas devem ser tomadas, inclusive com a condenação dos ocupantes do governo de Israel pela prática do genocídio, pela política de limpeza étnicas, pelo colonialismo, pelos crimes de guerra, que são, em última instância, crimes contra a Humanidade.

* Escritor. Doutor em Letras, Professor do Curso de Letras da UFCG.
** Escritor. Doutor em Letras, Professor do Curso de Letras da UFC.

Carlos Gildemar Pontes

CARLOS GILDEMAR PONTES - Fortaleza–CE. Escritor. Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Doutor e Mestre em Letras UERN. Graduado em Letras UFC. Membro da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Foi traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Tem 26 livros publicados, dentre os quais Metafísica das partes, 1991 – Poesia; O olhar de Narciso. (Prêmio Ceará de Literatura), 1995 – Poesia; O silêncio, 1996. (Infantil); A miragem do espelho, 1998. (Prêmio Novos Autores Paraibanos) – Conto; Super Dicionário de Cearensês, 2000; Os gestos do amor, 2004 – Poesia (Indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005); Seres ordinários: o anão e outros pobres diabos na literatura, 2014; Poesia na bagagem, 2018; Crítica da razão mestiça, 2021, dentre outros. Editor da Revista de Estudos Decoloniais da UFCG/CNPQ. Vencedor de Prêmios Literários nacionais. Contato: [email protected]

Mais do autor