O Reino de Deus em tempos de Coronavírus: Sobre igreja, informação e poder

Desde de 2016 venho acompanhando diariamente as notícias que envolvem o campo religioso e sua disputa de poder na esfera política. Para iniciar a conversa é importante pensar na dimensão do seu público e a potencia desse grupo organizado e alinhado em suas ideias, tal como pretende algumas das maiores lideranças; até mesmo Edir Macedo que sempre rivalizou com outras lideranças protestantes se une a outros líderes em volta do Presidente Jair Bolsonaro. Segundo dados demográficos do IBGE, a população brasileira conta com mais de 40 milhões de brasileiros protestantes (evangélicos tradicionais, pentecostais e neopentecostais).

Em meio a crise que vivemos se abre mais uma vez um conflito que vem sendo constante: ciência x opinião ou o que podemos chamar de senso comum. Em meio a toda confusão provocada por “fake news”, as igrejas evangélicas atuam como formadoras de opiniões entre seus membros. O que posso observar sobre o direcionamento político do  público da Igreja Universal é que ao longo dos anos são inseridos no jogo de troca-troca em negociações políticas/eleitorais, como algo enfiado goela abaixo. Sem consulta aos fiéis sobre por exemplo quais nomes eles gostariam de apoiar, os membros são aconselhados e até pressionados não somente a votarem em seus candidatos, mas também a conseguirem mais votos para os líderes políticos da IURD. 

O Bispo Edir Macedo não tem nenhum receio em trocar de lado quando o assunto é influência política. Assim, desde Fernando Collor de Melo, vem negociando sua influência entre seus seguidores por favores que só o capital político pode oferecer. Recentemente foram prescritos processos que inicialmente o acusavam de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, associação criminosa e falsidade ideológica. Além de Edir Macedo o Bispo João Batista que é vereador do partido de Edir Macedo, o Republicanos, também foi beneficiado com a omissão da justiça brasileira.

Nesse período de quarentena estive observando programas de tv’s e mídias digitais, tais como redes sociais ligadas a lideranças políticas regionais e nacionais da Igreja Universal. Foi muito comum perceber que entrelinhas, como o nome do programa apresentado pelo Bispo Renato Cardoso sugere o posicionamento da Igreja mesmo que oscile entre a necessidade de cuidados e de quarentena(vertical) em relação ao vírus e tentativas de deslegitimação da medida de isolamento total realizada pelos governadores, deixa muito evidente qual sua posição frente ao tema. Em um dos programas em que tive aceso Renato Cardoso fala com vários pastores da IURD pelo mundo que relatam medidas de isolamento parcial que segundo eles surtiram efeito em seus países e ainda entrevista um parlamentar da IURD (da Bahia?), que faz em seu comentário inicial uma leve crítica a Bolsonaro. 

“Não teria uma postura firme” de acordo com ele, e isso abrira espaço para o oportunismo dos governadores que teriam bloqueado várias rodovias e fechado aeroportos ilegalmente. Nesse instante, Renato Cardoso,  que acaba tomando partido de Bolsonaro e dando linha a direção da entrevista, o interrompe e diz: “Mas, muitas vezes o Presidente até já tomou postura firme”, citando o decreto de Bolsonaro que autoriza as Igrejas a abrirem, desmentindo sua própria afirmação em sua fala inicial, que alegava não estar defendendo nenhum lado e sim o povo. No decorrer do programa ainda criticam a “imprensa marrom”, como se não monopolizassem a informação no país e criticam o poder público como se também não fizessem parte, com o intuito de deslegitimar as decisões dos seus oponentes políticos. O programa foi transmitido em diversas mídias da Universal, inclusive na Tv Record ao vivo em 29/03/20 e está disponível no youtube.  

Esse tema põe ciência x senso comum ainda mais em evidência, uma vez que o isolamento trata de uma medida preventiva apontada pela maioria dos especialistas como a mais eficiente frente ao vírus que tem alta proporção de contágio ao mesmo tempo que a o antidoto para vacina ainda está sendo estudada. O fato é que comecei observando os programas relacionados a igreja, mas ao longo dos dias passei a observar também os programas jornalísticos da TV Record. Não foi nenhuma surpresa perceber seus pontos de vistas contrários a quarentena(horizontal), logo, contrários às evidencias cientificas que atestam que a melhor medida é o isolamento social.

Minha percepção sobre a intenção da IURD neste tema é que ela busca  desconstruir, construindo outro discurso de quarentena e não aceita ver sua igrejas sendo colocadas para escanteio, uma vez que elas e naturalmente nenhuma outra foram consideradas serviços essenciais pela Organização Mundial da Saúde – OMS – pelo Ministério da Saúde e  consequentemente pelos governos estaduais do Brasil, nessa nova dinâmica enfrentada em escala global. Ora, se a Igreja de Edir Macedo e tantos outros profetas milagrosos não constituem-se enquanto um serviço essencial, estamos vivendo uma grande mentira em relação ao discurso das igrejas (neo)pentecostais, que costumam pregar essencialmente a cura, os feitos de milagres surpreendentes em suas reuniões. 

A IURD se coloca a favor de medidas de saúde e de cuidados em relação aos grupos de risco(quarentena vertical), ao mesmo passo que critica a medida de isolamento horizontal fazendo coro ao discurso conspiratório/bolsonarista e anticientífico, usa suas mídias inclusive o jornalismo da Record para reforçar ideias conspiratórias de que o vírus senão uma criação chinesa, ao menos a China teria escondido o vírus do restante do mundo. De modo que, parte do que vivemos é essencialmente sua culpa. 

Se por um lado desconstrói a necessidade de quarentena horizontal medindo força com governadores através da esfera política e disputando o discurso midiático com a Rede Globo; por outro lado, visa sua legitimação como instituição comprometida com a sociedade, uma vez que pratica ações solidárias. Praticamente justifica a existência de sua Igreja onde falta o  braço do Estado, mas observando a biografia de Edir Macedo é possível imaginar que ações sociais nunca teriam sido uma opção para ele, se essas não fossem potencialmente agregadoras de prestígio social e importantes para agregar aliados através de jantares beneficientes voltados para autoridades.

Através de grupos organizados internamente na Igreja para  ações sociais, a prática é realizada pela Igreja de Edir Macedo desde os fins dos anos 1980, quando o Bispo procurava legitimar a  marca de sua igreja na sociedade brasileira a partir das ações da ABC – Associação Beneficente Cristã – e assim obter reconhecimento em meio a um montante de denuncias que precisava dar conta judicialmente. Essas denuncias  traziam fortes indícios de que a compra da TV Record fora comprada através de dinheiro de fieis e a partir de malabarismos de doleiros teriam sido repassados a paraísos fiscais, que voltavam ao Brasil através de empréstimos a laranjas que compraram a emissora para repassar a  cúpula de Macedo, a denuncia do Ministério Público portanto contém fortes indícios de lavagem de dinheiro, mas nada disso adiantou para que Macedo fosse enquadrado.

Consta que o Bispo dispõe de uma equipe de renomados advogados a sua disposição para o livrar de qualquer processo, ele escapara de fortíssimas acusações criminais,  esta é mais uma prova de que poderosos não são presos e que a justiça brasileira assim como outras instituições democráticas não operam em normalidade mínima. Se as provas dão conta de crimes cometidos ao Estado brasileiro, que tal deixar cair no esquecimento? foi o que fez a justiça brasileira ao deixar os dois últimos processos que lhe acusavam prescreverem em 2018 e 19, respectivamente após 7 e 8 anos.

A ABC  não existe mais, mas a prática ajudou a consolidar sua instituição num país que a desigualdade social é gritante e que os pobres precisam de iniciativas paliativas que pouco influenciam a médio e longo prazo às vidas de pessoas mais vulneráveis, essa prática é comum principalmente em países onde o Estado não consegue atender as necessidades mais básicas, como é o caso do nosso país, de países na América Latina, América Central e África, onde a IURD faz questão de destacar suas ações humanitárias embora exista muitas provas para que acreditemos o contrário. 

Como o projeto encabeçado pela emissora de Macedo, chamado “Reconstruindo Santa Catarina” que pedia doações para a construção de 700 cassa para desabrigados. De acordo com o jornal The Intercept “(…) a campanha, capitaneada pelo Instituto Ressoar, fundação de caridade criada pela TV Record em 2005, arrecadou R$ 10,5 milhões – o suficiente para construir, segundo a empresa, cerca de 700 casas. Dez anos depois, no entanto, quase metade dos moradores cadastrados pelas prefeituras das cidades atingidas pela enchente ainda aguarda as casas prometidas. ”

A quem interessa a desinformação e a desigualdade? Tendo a IURD lançado seus políticos desde as primeiras eleições, no período de redemocratização e participado como base governista em todos os governos, seus líderes políticos agem como se não tivessem nenhum envolvimento com a política brasileira – os isentões. Nessa estrutura política que  confunde o – público refém do privado – o jogo não é novidade para o líder máximo da Universal. 

Funciona da seguinte forma, “o dinheiro é essencial na escalada de poder, mas só é possível chegar a um patamar superior nesta escalada, quando se misturam dinheiro e política”, afirma Macedo. Traçamos assim um panorama inicial de influencia da IURD: conquistado a base de dinheiro a partir das doações nas Igrejas, lavagem de dinheiro e jogadas políticas para aquisição de emissoras de rádio e TV com a finalidade de aumentar o número de fiéis que significa mais dinheiro, e mais influência política uma vez que um membro é um potente eleitor da IURD. 

Esse ciclo vicioso continua em um nível que escapa das nossas vistas. Se os passos deixados pelo bispo e sua trupe não foram suficientes para colocá-lo atrás das grades, ao menos deixaram no passado muitos rastros para quem não é cego e quer enxergar o dano causado a democracia por líderes evangélicos da laia de Macedo. Se ele é contrário a quarentena tudo nos leva a crer que as arrecadações  das igrejas diminuíram, essa é apenas uma das infinitas possibilidades de prejuízos financeiros sobre o império Universal.

 

O que fez a Universal no sentido de ampliar e democratizar os direitos dos trabalhadores e pessoas mais simples no Brasil?

 

Referências

Natanael Silva

Natanael Pereira da Silva é Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará, ex. Nascido e criado em ambiente evangélico atualmente se dedica a compreender a realidade social brasileira a partir das Igrejas evangélicas e suas relações com a política.

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