O Reino da Estupidez, por Alexandre Aragão de Albuquerque

É das mãos do mineiro Francisco de Melo Franco, que no final do século XVIII produziu o poema O Reino da Estupidez, a sátira criticando o retrocesso que foi imposto à Universidade de Coimbra, Portugal, logo após a morte do rei D. José I, em 1777.

Desde 1537 a referida universidade esteve sob o domínio dos padres da Companhia de Jesus, sendo isolada da influência do progresso intelectual e científico europeu. Em 1599, os jesuítas implantaram um sistema de ensino – Ratio Studiorum – que privilegiava o latim e o grego sobre a língua pátria, a teologia sobre a filosofia, o escolasticismo sobre o cartesianismo, numa vinculação do ensino religioso ao Concílio de Trento. Particularmente intensa foi a luta destes padres contra o cartesianismo.

A situação só veio a modificar-se em 1759 quando, em 03 de setembro, Sebastião José de Carvalho e Melo – Marquês de Pombal – expulsou os jesuítas da metrópole e das colônias, confiscando seus bens, sob a alegação de que a Companhia de Jesus agia como um poder autônomo dentro do Estado português: “os homens da Igreja não estavam de fato submetidos aos reis, criando-se como consequência duas monarquias dentro do Estado”. Os métodos e o conteúdo da educação jesuítica foram radicalmente reformulados, com a ênfase sendo deslocada para as ciências físicas e matemáticas. A nova Faculdade de Filosofia concentrou-se nas ciências naturais. Finalmente o Iluminismo atingia Portugal, mesmo que tardiamente.

Entretanto, o Iluminismo português, como anota José Murilo de Carvalho, ficou bem mais próximo do italiano do que do francês. Era um iluminismo essencialmente reformista e pedagógico. Seu espírito não era revolucionário, nem irreligioso, como o francês. Era um Iluminismo essencialmente cristão e católico. Pombal não queria saber do Iluminismo francês por este conter elementos capazes de por em perigo a autoridade em geral e autoridade real em particular. Rousseau e Voltaire continuavam leituras proibidas, mesmo nesta na nova ordem universitária.

Todavia, com a morte do rei D. José I, Pombal deixou o governo e iniciou-se imediatamente a reação à sua obra emancipadora cultural. Muitos dos professores e estudantes da Universidade de Coimbra foram processados pelo Santo Ofício e expulsos sob acusação de heresia, naturalismo e enciclopedismo. A Viradeira, nome pelo qual ficou conhecido esse retrocesso, teve como consequência o abandono da ênfase nas ciências naturais e na filosofia, voltando teologia e direito à antiga predominância.

Um elemento poderoso de unificação ideológica da elite imperial foi justamente a educação superior. O governo português nunca permitiu a instalação de estabelecimentos de ensino superior em suas colônias. A maior parte dos políticos brasileiros da primeira metade do século XIX estudou em Coimbra após esse retrocesso. Lembrando que quase toda a elite brasileira possuía estudos superiores: era uma ilha de letrados num mar de analfabetos. Após a Independência, a educação superior se concentrou na formação jurídica fornecendo um núcleo homogêneo de conhecimentos e habilidades, em duas capitais – São Paulo e Recife –, promovendo nos estudantes uma ideologia comum dentro do estrito controle a que as escolas superiores eram submetidas pelos governos tanto de Portugal como do Brasil.

Lula em seus governos petistas ousou romper com esse ciclo elitista abrindo as portas das universidades públicas brasileiras para todos os brasileiros. Isto deve ter incomodado profundamente a elite reacionária nacional. E o que estamos vendo após o Golpe de 2016 é uma tentativa de retrocesso a exemplo do que ocorreu com a Viradeira portuguesa que condenou professores e estudantes ao obscurantismo do Santo Ofício inquisidor. Um retorno ao reino da estupidez.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .