O que você é capaz de fazer por um milhão de reais? por Osvaldo Euclides (serviço público de qualidade XXIX)

Entre as inúmeras questões que afetam o brasileiro comum, a não existência de um serviço público de qualidade se destaca. O fato de que o Estado cobra uma quantia monumental em impostos, taxas e contribuições e, em retribuição, oferece à população uma contrapartida de baixíssima qualidade, é enfrentado com uma passividade impressionante. Este texto quer oferecer ao cidadão uma razão para que ele lute por serviços públicos de qualidade.

Sempre me chamou a atenção o fato de que o transporte coletivo aéreo recebe excepcional atenção do poder público. Correto. E isso não acontece à toa. O usuário de aeroportos e aviões conhece bem seus direitos e cobra de maneira firme. A imprensa fica atentíssima a qualquer deslize, a qualquer desvio. Isso é bom, dá segurança ao usuário dos serviços, impõe qualidade, estabelece padrões elevados no atendimento, no equipamento, nos processos. Este serviço público tem bom nível de qualidade, a imprensa e o parlamento fiscalizam, o esclarecido usuário reclama, o cidadão cobra. O assunto nunca sai do radar da sociedade.

Já o transporte rodoviário não tem essa qualidade, não tem essa cobrança, esse acompanhamento do parlamento e da imprensa, não recebe nem fração da atenção e da prioridade do aéreo. Não se sabe porquê, embora possa-se especular que as razões estariam no perfil dos usuários: uns mais dispersos, menos articulados, menos organizados, menos poderosos, reflexo da estrutura social e política.

Temos aí dois exemplos bem diferentes. Um, bem sucedido. O outro, nem tanto. Alguma lição se pode tirar dessa evidente diferença. Por exemplo: um nível alto de qualidade do serviço público é possível. Ou mais: a cobrança dos usuários, se feita de maneira firme e contínua, colabora com a qualidade e ajuda a evitar a depreciação ou decadência dos equipamentos; ainda: a vigilância da imprensa e do parlamento influencia diretamente o melhor atendimento e a consistência dos processos.

Outro paralelo pode ser feito dentro do campo do serviço público de educação, tanto para mostrar diferença de níveis de qualidade, como para especular as razões que a justificam.

Observe-se a qualidade do ensino superior, o ensino nas universidades públicas. Elas oferecem professores, estrutura, processos e resultados aos estudantes universitários evidentemente melhores do que os que são oferecidos pelos níveis fundamental e médio, claro, respeitadas as diferenças e guardadas as devidas proporções. O paralelo também pode se fazer para explicar as razões que dão sustentação ao resultado: a cobrança social, a vigilância da imprensa, a fiscalização do próprio usuário do serviço…

Embora não se possa assegurar com rigor científico que essas diferenças se explicam pelas razões acima, nada impede que se afirme que, a julgar pelo andar da carruagem, se o conjunto dos usuários diretos do serviço público, com apoio do parlamento e da imprensa, não cobrar de forma firme e contínua, a qualidade dos serviços públicos não vai mudar para melhor.

Por isso, deseja-se oferecer às dezenas de milhões de brasileiros uma razão para que abandonem essa passividade bovina e lutem por serviços públicos de qualidade. Eis a razão que fala diretamente a seus interesses.

Suponha uma família composta de 4 pessoas (marido, mulher, 2 crianças). Se colocar os filhos na escola privada e mantiver um plano de saúde complementar, a família não gastará menos de dois mil reais por mês. Considerando que essa obrigação financeira mensal se estenda por cerca de 18 anos, faça-se a seguinte conta: se colocasse os filhos na escola pública e contasse com o bom atendimento do SUS, a família poderia aplicar os dois mil reais a uma taxa mensal de 0,6%. Ao final de 232 meses, a família seria milionária, teria um milhão de reais.

O que você é capaz de fazer para ganhar um milhão de reais?

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.