O noticiário dos últimos dias tem sido marcado, em grande medida, pela vontade vocalizada pelo presidente da República de ter um dos seus filhos como embaixador do Brasil nos Estados Unidos.
A decisão contemplaria o terceiro filho, escrivão da Polícia Federal licenciado e deputado federal no segundo mandato, o qual se apresenta a si próprio como detentor de credenciais suficientes para o cargo, posto que já fez intercâmbio estudantil, fritou hambúrguer e enfrentou o frio no Colorado e no Maine, tudo nos EUA. Na verdade, o candidato a embaixador ficou por demais conhecido por conta da sua especiosa teoria, segunda a qual, para fechar-se o Supremo Tribunal Federal, bastam um cabo e um soldado, dispensando-se mesmo um jipe. Por sua vez, o pai-presidente alega que o filho “é amigo dos filhos do Trump, fala inglês, fala espanhol, tem vivência muito grande de mundo”.
Na Galeria dos Embaixadores, no portal do Ministérios das Relações Exteriores, observa-se que, desde o alvorecer da República até hoje, em relação aos EUA, o cargo atualmente denominado “Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário” foi ocupado por diplomatas experimentados ou personalidades políticas e intelectuais. Começou-se com Salvador de Mendonça, prosseguindo com Assis Brasil e Joaquim Nabuco, entre os mais destacados na República Velha. Depois da Revolução de 30 e até os dias atuais, entre outros, vieram Osvaldo Aranha, Walter Moreira Sales, Ernani do Amaral Peixoto, Roberto Campos, Marcílio Marques Moreira e Rubens Ricupero, diplomatas de carreira ou não, eram figuras que, independentemente do espectro político-ideológico, quando nomeadas, apresentavam folha de serviço reconhecida pelo Estado e pela sociedade. Além do mais, não é ocioso ressaltar que um dos indicadores do Brasil que deu certo é a formação dos seus diplomatas.
No momento, a matéria é objeto de acirrada discussão, inclusive, com ares de chacota, na imprensa nacional e na imprensa internacional (por tudo, veja-se a “Outra carta aberta ao nosso excelentíssimo presidente da República, senhor Jair Bolsonaro”, de autoria do Jô Soares). Fala mais alto a ideia de que ocupar o posto diplomático mais cobiçado do Exterior não pode ser considerado uma sinecura nem um brinquedo com que um pai extremoso premia um filho voluntarioso. A discussão também ultrapassa o terreno pantanoso de se haveria ou não nepotismo na indicação. Por enquanto, o que é nepotismo surfa no vácuo de decisão de um Supremo Tribunal Federal aparentemente dividido sobre a matéria.
Pelo menos, dois aspectos concernem à discussão em tela. Uma é que, parece, o atual presidente da República não tem na devida contabilidade que a diplomacia é a guerra travada por outros meios e que a complexidade do mundo globalizado requer engenho e arte para que, republicanamente, se faça prevalecer o interesse nacional brasileiro. O que, com certeza, transcende a ser amigo dos filhos do presidente norte-americano, estar vinculado ao ultraconservadorismo de assessores do mesmo presidente, gozar do beneplácito de algum astrólogo autoexilado. O outro aspecto diz respeito a arquétipos da formação histórica brasileira, remetendo ao já – formulado fundamentalmente por Sérgio Buarque de Holanda, no seu “Raízes do Brasil” – octogenário conceito de “homem cordial”. Assim, se o presidente da República, que, pelo comportamento público tanto como parlamentar como chefe do Executivo, não tem primado pela cordialidade no sentido corrente da palavra, não é imprudente adiantar a hipótese de que é “cordial” no sentido que Holanda atribuiu à (ao) brasileira (o), segundo o qual, ocupando mandatos públicos, tende a não distinguir entre o público e o privado e prefere, acima de tudo, atender o interesse da família.
Evidentemente, o que dá para chorar também dá para rir, questão só de peso e medida, sentencia o samba. A propósito, o folclore político nacional registra que um presidente da República, generoso no preencher cargos públicos com familiares, foi alertado por um assessor zeloso de que a imprensa e a opinião pública não o perdoariam por tanto. O experimentado homem público contrapôs que, deixada a cadeira presidencial, a imprensa e opinião pública logo o esqueceriam, mas a sua família jamais o perdoaria por não tê-la ajudado. Por enquanto, que seja dado o benefício da dúvida à motivação do presidente da República na provável indicação do filho para a embaixada norte-americana.