O preço da crise de representação: a correlação das forças políticas, por Josênio Parente

A democracia, na modernidade, tem a alternância no poder como uma de suas características para uma convivência social para a formação de um pacto civilizatório. Nas sociedades tradicionais é natural uma maior permanência no poder de famílias, seja pelo “sangue azul”, isto é, uma nobreza ou uma elite econômica, seja pelo carisma, baseada no personalismo, na crença de salvadores da pátria. Como o Brasil está em transição de uma organização tradicional do poder político para a modernidade da economia e da sociedade, as características do tradicional e do moderno tendem a sobreviver por longo tempo, apesar do esforço das elites para se introduzir os elementos de uma cultura mais adequada à democracia moderna. A lógica é que o sistema político deverá funcionar independente das pessoas envolvidas no processo, uma arquitetura de Montesquieu, no século das Luzes, ao observar os efeitos da Revolução Gloriosa, na Inglaterra, onde nobres e burgueses conseguiram conviver civilizadamente depois de cem anos de guerra.

Essa crise, característica do segundo governo Dilma Rousself, foi provocada por uma competitividade intensa da correlação das forças políticas, reunidas não apenas em partidos políticos não representativos, marcados por uma fragmentação e uma prática típica de uma democracia ainda delegativa, e organizada como se fossem representativas das forças sociais. Organizada também pela correlação de forças de outros poderes e da sociedade civil.

A grande maioria dos partidos foi financiada por empresas e não pela sociedade interessada nas políticas públicas. Essa distorção dá naturalmente sobrevida a quem está no poder, mas provoca instabilidades como a que o Brasil assiste no momento.

O jejum de poder das oposições ficou no limite. Fazem quatorze anos de governo do PT, oito deles com Lula e seis anos com Dilma Rousseff. O carisma de Lula é a principal responsável por este desempenho, e sua estrela foi ter aumentado o mercado consumidor numa hora de crise internacional, em 2008, quando todas as classes sociais ganharam e participaram da euforia na contramão da crise do capitalismo central. Observamos uma base mais tradicional, o carisma, mas uma política moderna. O setor industrial, por exemplo, perdeu o mercado externo com a crise de 2008, mas ganhou o mercado interno, fruto destas políticas sociais agressivas dos governos do PT. Quando observamos que mais de quarenta milhões de pessoas excluídas do mercado passam a participar desse banquete da modernidade, a crise externa chegou ao Brasil realmente como uma “marolinha”. Commodities, o momento da China, entre outros fatores externos que também favoreceram essa passagem do Brasil pela crise internacional.

Esse período marcou o governo do PT de forma tal que a oposição não vê perspectiva de reverter essa onda de continuidade pelos próximos oito anos, mesmo tendo conseguido quebrar o pacto de governabilidade típico do presidencialismo de coalizão ao cooptar a base aliada para a oposição. Sem maioria no Congresso, a governabilidade fica afetada. E é aqui que o preço (o papel) da crise de representação que cobra alto da sociedade ao fazer conjugar crise na política com na economia.

Se o impeachement do Collor foi uma exceção à regra de que o impedimento do Mandatário num presidencialismo de coalizão é difícil quando forças da sociedade civil apoiam seu governo, se o impeachement chegar ao governo Dilma, será outra exceção à esta regra, exatamente por se conjugar forças poderosas conspirando para que a oposição chegue ao poder pela via democrática, aproveitando dessa fragilidade que a a transição da ditadura para a democracia brasileira ainda não tinha enfrentado com seridade: a crise de representação política!

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.

Mais do autor

Josenio Parente

Cientista político, professor da UECE e UFC, coordenador do grupo de pesquisa Democracia e Globalização do CNPQ.