O poder, o dinheiro, “os políticos”, os bodes expiatórios e o serviço público de qualidade – XXIII

Há pouco mais de duzentos anos, o regime político mais comum era o absolutismo, uma espécie de tirania que se estabelecia em forma de monarquia, na figura de um rei, alguém que chegara ao poder pela força física ou pela força de uma herança. E, julgando-se merecedor dessa posição, por atribuir-se descendência divina, exercia o poder de forma autoritária. Os ventos democráticos que sopraram o mundo após a Revolução Francesa estimularam o nascimento das repúblicas, regime em que o poder se dilui e se organiza em torno do interesse coletivo.

Montesquieu propôs bem antes a divisão do poder em três: Executivo, Judiciário e Legislativo. E assim fizeram as repúblicas, assim é hoje. Cada um dos 3 poderes com sua função, independentes e harmônicos.

O Poder Legislativo propõe, debate, vota e aprova as leis e fiscaliza o Poder Executivo, estas as funções essenciais. Todos os seus membros são eleitos (no Judiciário ninguém é eleito; no Executivo, só o principal chefe – prefeito, governador, presidente) e, em tese e na prática, vereadores, deputados e senadores, com todas as faltas e imperfeições, são os mais diretos e verdadeiros representantes do que se chama povo.

Como se sabe, o poder e o dinheiro andam juntos.

O Poder Executivo tem o orçamento mais alto. Tem, portanto, mais poder. Quanto mais? O Poder Executivo manipula mais de 96% do orçamento.

Legislativo e Judiciário têm perto de dois por cento cada. Além de terem orçamentos proporcionalmente pequenos, Legislativo e Judiciário não administram empresas públicas, não contratam serviços de terceiro em grande escala, não realizam grandes obras, não são anunciantes relevantes da grande imprensa.

E, como não julga, o Poder Legislativo é um poder desarmado – e desde Maquiavel sabe-se o que acontece com “profetas desarmados”, por mais que possam ser bem intencionados.

Assim, o Poder Legislativo não tem “um paiol de armas” (orçamento relevante) e não possui o poder de arbitrar interesses diretamente (o poder de julgar). Além disso, é um poder dividido por natureza, caracterizado pela disputa permanente entre seus membros, disperso em quantidade (o Congresso Nacional tem 81 senadores e 432 deputados federais) e, portanto, mais vulnerável ao erro.

Essas introdução mais ou menos óbvia, dependendo de quem a lê, talvez ajude a entender porque as pessoas costumam atribuir aos “políticos” os problemas da nação. É um erro, afinal, eles não são tão inocentes, mas também não são tão culpados.

Quem são “os políticos”? Numa república em que 96% do orçamento está nas mãos de prefeitos, governadores e presidente, esses três é que são os responsáveis pelos problemas, erros e omissões mais relevantes, que afetam a qualidade de vida do cidadão direta e imediatamente. Entretanto, de um modo geral, eles costumam ser poupados da crítica, não são tão vigiados pela imprensa, seus atos mais importantes são divulgados apenas no Diário Oficial, sem crítica.

A transparência do Poder Executivo e do Poder Judiciário é pouca, rala, rasa, precária, mais discurso do que prática. A transparência das duas casas do Congresso é quase aceitável, pelo menos comparativamente aos outros dois poderes.

Assim, transparente, desarmado, disperso, dividido e vigiado, os membros do Poder Legislativo se tornam alvos fáceis de qualquer instituição ou pessoa que queira simplificar as questões e eleger convenientes “bodes expiatórios” para crises que têm outra gênese. Essa crítica vaga, mas permanente e contínua, aos “políticos” não parece ingênua nem inconsequente, ela desmobiliza, paralisa.

O Poder Legislativo não precisa de moralismo.

O Poder Legislativo precisa ser capaz de fazer as reformas de que o país realmente precisa, mas sem a faca na garganta.

O Poder Legislativo precisa retomar o que perdeu para a imprensa. Nada contra a imprensa ocupar espaços na democracia, mas, momentaneamente, a imprensa brasileira está muito concentrada, muito enviesada, adotou um lado, a priori, isso não faz bem, isso não é debate.

O Parlamento tem de voltar a ser o palco do debate nacional relevante. Esse debate não pode ser “editado”.

O Poder Legislativo precisa ser capaz de fiscalizar tempestivamente (e não de forma oportunista) o Poder Executivo. A instituição precisa merecer o nome de Casa do Povo, uma maneira de fazer isso é exigir serviços públicos de qualidade, ordenadamente, institucionalmente, continuamente, firmemente.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.