O JEITÃO BRASILEIRO, por ALEXANDRE ARAGÃO DE ALBUQUERQUE

Homens e Mulheres ocupam lugares existenciais e são desses lugares que eles falam, pensam e agem a partir de sua leitura de mundo e de seu conhecimento histórico. Assim, não é de se estranhar que esteja presente em grupos religiosos uma afinidade ao discurso da extrema direita do tempo presente, como ocorreu outrora, porque afinal são compostos por homens e mulheres concretos, não se tratando nem de santos e santas.

O grande mestre NORBERT ELIAS, pouco antes de sua partida, presenteou-nos com um magnífico livro, “Os Alemães”, o qual apresenta o caráter da sociedade alemã para demonstrar que o fenômeno HITLER com seu nazismo não é resultado de conjunturas históricas apenas, mas se deve em outra parte à formação da sociedade germânica. Segundo o autor, o desenvolvimento tardio do capitalismo na Alemanha, a ausência de uma revolução burguesa no país (como é o caso brasileiro) a unificação nacional sob o tacão de Bismarck, o culto à organização do qual o militarismo é o emblema mais ostensivo, tudo isso criou o caráter alemão. Esse caráter distingue a sociedade alemã das demais sociedades, fazendo com que a Alemanha estivesse no coração das grandes horrores modernos: Primeira Guerra, Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. Apesar de ser a pátria de Kant, Goethe e Hegel, a Alemanha desenvolveu a indústria do extermínio.

Portanto, o tempo presente brasileiro, desde o Golpe de abril de 2016, obriga-nos a buscar entender o fenômeno político e social que ovaciona o discurso histérico, do qual Bolsonaro é a expressão atual, da violência aberta contra irmãos brasileiras e brasileiros pobres, pretos, trabalhadores, homoafetivos. Esse discurso não acontece ao acaso, é amplificado de forma orquestrada pelos meios de comunicação social, e a adesão à sua temática não parece ser uma questão apenas de ignorância.

A obra magistral do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre – CASA GRANDE & SENZALA -, considerada por Antônio Cândido o livro mais importante das ciências sociais brasileiras, denuncia o estupro por meio do qual foi constituída a sociedade nacional (apesar de suas interpretações serem nostálgicas). Freyre relata com extrema elegância literária e rigor científico que o Senhor de Engenho que se deitava com uma sua mucama era o mesmo que lhe castigava no tronco, arrancando-lhe os olhos ou a mão, quando alguma falta – suposta ou verdadeira – ofendia-lhe em sua propriedade. Ou ainda, evidencia a formação pela qual eram cultivadas as gerações mais jovens, ao destacar que o termo MOLEQUE era a designação dada pelo filho do senhor de engenho ao menino negro escravizado por meio do qual o senhorzinho fazia sua iniciação sexual, violentando-o.

Por outro lado, o próprio Antônio Cândido, nossa referência moral e intelectual, em sua obra “Dialética da Malandragem”, aponta o chamado “jeitinho brasileiro” como sendo a forma de a classe dominante nacional burlar a Lei e fazer a seu modo a exploração do dominado escravo/a, num primeiro momento, e da dominada população em sua expressão moderna de dominação.

Por último, não se pode olvidar o ensinamento trazido por Marx e Engels ao atestar que as ideias e hábitos das classes dominantes transformam-se em hegemonia e caráter nacional. No caso do Brasil, a nossa classe dominante burlou de maneira permanente e recorrente as leis em vigor (vide recentemente o Golpe de 2016 e o Mea Culpa de Jereissati, por exemplo). Essa burla constante nas soluções formais propicia o clima de casuísmo e de violência. Eis a questão!

A democracia implica relações de liberdade e de igualdade: um palavrão para a classe dominante brasileira e para aqueles e aquelas que reproduzem a cultura do dominador, sejam pessoas religiosas ou não. Portanto, o que estamos vivenciando no tempo presente não se trata de absurdo, mas do caráter da classe dominante brasileira. Ou da falta dele.

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