O JAVANÊS DO JUDICIÁRIO – Rui Martinho

O ministro Luís Roberto Barroso disse precisar da ajuda de um professor de javanês para entender o voto do ministro José Antônio Dias Toffoli. Muitos criticam o uso de expressões latinas e do jargão forense. São críticas distintas. O javanês diz respeito a concatenação de ideias no voto do ministro Toffoli. A segunda trata do uso do jargão em linguagem técnica. O vernáculo especializado é exigência de clareza. Parece hermético aos olhos do leigo. Mas não é obscuro. É mais claro. É menos sujeito à polissemia do léxico vulgar. Expressões latinas, na linguagem forense, não são estrangeirismos. Habeas corpus, erga omnes, ex nunc são exemplos de expressões incorporadas ao jargão jurídico. Língua morta não sofre as metamorfoses das línguas vivas. Por isso mais clara.

O javanês pode resultar, ainda, das divergências no âmbito do judiciário, que são inerentes ao processo cognitivo, principalmente quando trata de significados e valores. Físicos não discutem o significado ontológico nem axiológico das leis da natureza e usualmente não discutem a semântica. Não se preocupam em dizer, verbi gratia, o que é a força. Contentam-se em dizer como ela se comporta e que efeitos produz. O direito, preleciona Miguel Reale (1910 – 2006), abrange fato, valor e norma. Dizer que fato não se discute é uma falácia. A cognição e os fatos são mediados pela sensibilidade, a perspectiva e o entendimento, conforme Karl Raymond Popper (1902 – 1994) que distinguiu assim o mundo 1; mundo 2 e mundo 3. A busca do sentido e do significado, mediados por teorias concorrentes e dotadas de razoabilidade, leva aos múltiplos entendimentos.

A segurança jurídica clama por definições. A solução, lembra Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1941 – vivo), é separar os campos da zetética e da dogmática jurídica. O primeiro é a discussão teórica, filosófica, abstrata, interminável. O segundo é o da resolução de problemas práticos. Precisa ter fim. O STJ existe para uniformizar o entendimento das normas infraconstitucionais; o STF para ser o guardião da Carta Política. Mas existem entendimentos divergentes nas distintas turmas do STJ e até nas mesmas turmas, em diferentes casos. O STF, por sua vez, escolheu legislar positivamente. Diferentes graus de jurisdição também divergem, legitimamente escudados na independência dos juízes. Na música de Agenor de Oliveira, o Cartola (1908 – 1980), um verso diz: “agora o delegado quer saber quem tem razão, será o Benedito”? Os jurisdicionados precisam saber qual é o entendimento prevalecente.

O STF tem a prerrogativa de errar por último para finalizar questões. Não deveria, para tanto, formular decisões ad hoc. Turmas divergem. Tribunais divergem. A súmula vinculante foi a solução polêmica criada em amparo da segurança jurídica, obrigando todos os juízes e tribunais a seguir algumas decisões do STF. A exigência de dois terços dos votos dos ministros, quando se trate de súmula vinculante, limita a ação legiferante do STF e protege a independência dos juízes.

Prazos diferentes para alegações finais, conforme o réu tenha ou não colaborado com a justiça, não foi objeto de súmula vinculante, não teve dois terços do plenário do STF. O TRF/4, de Porto Alegre divergiu e pode fazê-lo. Alegou que o STF criou uma “lei” processual e esta só tem efeito ex nunc e entende que seria preciso demonstrar prejuízo para a parte recorrente. A votação de 6X5, que criou a norma processual discutida, é uma súmula vinculante. Resta saber se haverá outro placar na votação que decidirá sobre isso.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

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Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.