As especulações sobre a origem daquela enfermidade giravam em torno de pesquisas cientificas cujo corpus metafísico não atingia os padrões exigidos pelo médico de plantão. Sem dúvidas selecionado de maneira randômica, o moço franzino de feições engraçadas tinha uma dicção frágil, que titubeava a cada nova interlocução. O incurável havia perdido o emprego não tinha uma semana, sua amada, que ele até considerava reatar em breve, já desfilava pelo bairro com seu novo pretendente, até a descarga quebrou, deixando-o à mercê do baldinho da humilhação mais de uma vez por dia, mas absolutamente nada disso mudava o seu estado de ânimo.
– É sem precedentes!
O fato intrigante logo chamou a atenção dos jornais, caiu nas redes sociais e até o seu Zé da mercearia queria entender por que diabos logo esse cabra, tipo comum com as mais miseráveis vantagens, havia sido o escolhido para tamanho privilegio.
– Ma-ma-mas o senhor irá resolver o meu problema né, doutor? Eu não posso voltar pra casa desse jeito, é como se todo mundo tivesse na expectativa de eu me desdizer e cair em contradição. Quem dera, hem?! Quem dera! Eu só quero ser como todo mundo, não tô acostumado com essa atenção toda, não. E olhe que eu tô querendo resolver isso mais pelos outros mesmo, porque eu, é claro, estou incrível e radiante, como todos podem ver. Mas aí fica o povo todo agorando, budejando no meu pé do ouvido. Até o que eu tô comendo, o povo quer saber, como se eu soubesse de, sei lá, uma fórmula mágica. E eu sei lá de formula, meu povo! – Gargalhava divertindo-se com a falsa preocupação.
– Você naturamente acordou assim e… – Retrucou o médico.
– Siiim! Eu simplesmente me acordei assim um dia e pronto.
Ele tinha seguido o mesmo percurso que os demais. Foi pra creche, fez amigos, gostou de alguém, dançou a valsa do abc com a prima, brigou no recreio, tudo, tudo certo, até a crisma chegou a terminar, e, de repente, depois de homem feito, isso! E ele só ria da situação toda. Havia recorrido a tudo, gente formada na vida e gente com diploma debaixo do braço. Ninguém tinha ouvido falar de um caso assim, até entrevista pra televisão chegou a dar, mas não teve uma alma no mundo inteirrnho que aparecesse para dar uma orientação do caso.
– Tá todo mundo perdidinho, doutor! – Divertia-se com a atenção. – O senhor é minha última esperança, eu não quero carregar esse fardo enorme comigo pro resto da vida. Eu até fico naquela… Será que é agora? Êta leleta! Mas num é. Nunca é. E olhe que eu passei por umas poucas e boas de uns dias pra cá, contando ninguém nem acredita.
– Mas nada que abale o seu estado de espírito…
– Nã-não, num chega nem perto! Dá uma esperançazinha, né? De, ôpa! Será? Noutros tempos eu até já tinha saído dos prumos fácil, fácil, mas agora? Nadica de nada, sigo alegre e saltitante como nunca ninguém foi.
- Então o senhor se considera um homem feliz?
- Mas num é isso, doutor, que deixa a gente intrigado!