O GOLPE DO POVO

A democracia não existe sem o povo. É ele quem decide, quem elege e quem destitui os governos de acordo com os condicionantes estruturais do momento histórico. É aí que entra o processo histórico que vai legar para as gerações futuras o nível em que se encontrava cada povo nos momentos em que interveio nos seus destinos. 

O povo brasileiro, tão rico e extraordinário, como atesta Darcy Ribeiro, ainda não conseguiu se livrar do jugo do seu patrão, do seu dono, do seu político “sim, senhor”. Esses que exercem a função de mando sempre souberam explorar as bondades e necessidades do povo brasileiro. Não exterminou os índios porque os acossaram em lugares mais distantes; não perdurou com a escravidão porque a Inglaterra impôs regras de exploração menos desumanas. O mundo conhecia o tipo de elite que aqui reinava, preferindo o ferro ao direito de dignidade no trabalho. E essa elite espalhou nas periferias o povo pobre e desassistido de todas as cores e raças.

Separados em dois mundos, vimos crescer um povo com carências estruturais na sociedade comandada por ricos com a sua ganância cada vez mais excluindo o povo para que possam viver nababescamente no capitalismo mundial. Uma elite assim não pensa no país, não se aproxima de quem a alimenta com trabalho em troca de migalhas, pois nunca aprenderá que os valores humanos são universais e os direitos são conquistas da própria humanidade. Ao povo restam as sobras do banquete e a ilusão de que servindo obedientemente irá conseguir um quinhão a mais de benevolência. 

Sempre que tivemos um pouco mais de esperança, a elite promoveu um golpe na alegria do povo. Mas como explicar uma minoria ter tanto poder sobre uma massa? Simples. A elite também controla o Estado. Ela governa ou elege seus representantes, enganando o povo como na alegria do peru de Natal. O peru se embriaga e fica desorientado até que lhe cortem o pescoço e a sua alegria vá para a mesa dos senhores que o controlavam. E o mais irônico nisso tudo é que quem elege o representante da elite é o povo. 

Chegamos ao ponto nevrálgico da questão. O que falta ao povo para que o banquete seja justo, todos comam e todos possam usufruir da riqueza que é produzida pelo povo? Faltam duas coisas fundamentais: Primeira, educação que instrua e não que amestre. Segunda, uma consciência solidária dos que vivem na faixa intermediária da sociedade para entender que a satisfação dos mais pobres contém as ameaças geradas pela pobreza. Se houver mais Educação, mais Saúde, mais emprego e mais oportunidades, haverá menos violência, menos doenças e mais riqueza através dos impostos para diminuírem as desigualdades. E para que as coisas fundamentais passem a vigorar, é urgente um golpe do povo, do mesmo modo como a elite promove seus golpes. E como o povo não tem tanques, milícias e as forças de segurança servindo serviçalmente aos ricos e não ao Estado, que se liberte o povo pela sua conscientização de que sua fé só serve para enriquecer os falsos pastores. Sua paixão pelo futebol, que lota estádios, deve ser usada também para encher sua despensa de comida. E que seus descendentes possam alcançar o topo de suas competências, para entenderem o país como um grande e generoso lugar onde se deve praticar a cidadania.

Carlos Gildemar Pontes

CARLOS GILDEMAR PONTES - Fortaleza–CE. Escritor. Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Doutor e Mestre em Letras UERN. Graduado em Letras UFC. Membro da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Foi traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Tem 26 livros publicados, dentre os quais Metafísica das partes, 1991 – Poesia; O olhar de Narciso. (Prêmio Ceará de Literatura), 1995 – Poesia; O silêncio, 1996. (Infantil); A miragem do espelho, 1998. (Prêmio Novos Autores Paraibanos) – Conto; Super Dicionário de Cearensês, 2000; Os gestos do amor, 2004 – Poesia (Indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005); Seres ordinários: o anão e outros pobres diabos na literatura, 2014; Poesia na bagagem, 2018; Crítica da razão mestiça, 2021, dentre outros. Editor da Revista de Estudos Decoloniais da UFCG/CNPQ. Vencedor de Prêmios Literários nacionais. Contato: [email protected]

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Carlos Gildemar Pontes

CARLOS GILDEMAR PONTES - Fortaleza–CE. Escritor. Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Doutor e Mestre em Letras UERN. Graduado em Letras UFC. Membro da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL. Foi traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Tem 26 livros publicados, dentre os quais Metafísica das partes, 1991 – Poesia; O olhar de Narciso. (Prêmio Ceará de Literatura), 1995 – Poesia; O silêncio, 1996. (Infantil); A miragem do espelho, 1998. (Prêmio Novos Autores Paraibanos) – Conto; Super Dicionário de Cearensês, 2000; Os gestos do amor, 2004 – Poesia (Indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005); Seres ordinários: o anão e outros pobres diabos na literatura, 2014; Poesia na bagagem, 2018; Crítica da razão mestiça, 2021, dentre outros. Editor da Revista de Estudos Decoloniais da UFCG/CNPQ. Vencedor de Prêmios Literários nacionais. Contato: [email protected]