O gigante chinês tem os pés de barro?

“O Clube de Paris geralmente impõe uma taxa de juros de 9% enquanto as coisas são renegociadas. Com taxas de juros de 9%, sua dívida dobra a cada oito anos.”

Joseph Stiglitz

Causou espanto ao mercado e às comunidades mundo afora o anúncio do default da incorporadora chinesa Guangzhou Evergrande, do bilionário Xu Jiayin (ou Hui Ka Yan, em cantonês), uma das maiores empresas imobiliárias da China, estimado em US$ 300 bilhões.

O espanto decorre do desconhecimento por parte dos investidores sobre a real situação econômica do precário endividamento chinês.

Os operadores do mercado vendem a prosperidade futura do capitalismo, aí incluída a China, sob a forma de promessa da retomada do desenvolvimento econômico, como forma de venderem aos rentistas investimentos de risco que remuneram melhor as comissões de agenciamentos das aplicações financeiras, vez que muitos deles agem de acordo com o interesse de comissões de agenciamento.

Mas não é este o papel de quem dedicou a vida ao combate à segregação social capitalista e estudou criticamente a equação irresolúvel da mediação social pela forma valor denunciada por Karl Marx há mais de 160 anos, mas, infelizmente, pouco conhecida pelos revolucionários politicistas do marxismo tradicional ou pelos “bem intencionados” sociais democratas da humanização e perpetuação da relação capital/trabalho.

Não me causaram surpresa as dificuldade de liquidez imobiliária da China, vez que foi justamente neste setor da habitação, que carece de mão-de-obra menos qualificada e movimenta a economia numa grande diversidade de mercadorias (ferro, cimento, madeira, tijolos, telhas, material plástico, e uma infinidade de outros materiais), que a roda do capital encontra espaço (de fôlego curto) de sobrevida.

Da mesma forma que no ocidente, os chineses também apostaram nesta vertente para alavancar a economia. Ledo engano.
Sabemos, apesar das restrições governamentais à comunicação midiática chinesa, que por lá existia em 2018 cerca de 50 milhões de unidades residenciais vazias, e este número aumentou nos últimos três anos, seja por falta de compradores aptos à aquisição por falta de comprovação de renda compatível com o endividamento da aquisição, ou seja por despejos por inadimplência.

O capitalismo tem regras draconianas que não podem ser contraditadas sob pena de falência de sua dinâmica, mesmo que a insatisfação popular seja contida por um regime totalitário como o chinês, ou justamente por causa deles, porque, como vimos dizendo, a lógica do capital é soberana em relação à política.

​Apesar das diferenças operacionais, podemos relacionar a crise imobiliária chinesa com a crise do subprime dos Estados Unidos em 2008/2009, vez que se tratam de bolhas financeiras imobiliárias do endividamento fácil e sem lastro mercadológico que garanta a valorização patrimonial dos investimentos (ou especulações) nas respectivas construções de unidades habitacionais.

​Na verdade em face dos números das hipotecas imobiliárias dos Estados Unidos inadimplidas, o Federal Reserve teve que intervir, e o custo total foi ampliado de US$ 700 bilhões para US$ 850 bilhões, dos quais até US$ 700 bilhões foram usados para comprar títulos podres, conforme o projeto original, e os outros US$ 150 bilhões foram acrescentados pelo Senado na forma de cortes de impostos e incentivos fiscais.

A falta de correspondente liquidez de mercado para as hipotecas, contaminou todo o mercado financeiro mundial de ponta, exigindo dos países da União Europeia, onde se situam grandes bancos ameaçados de falência, uma cobertura financeira portentosa que elevou a conta toda para a casa de trilhões com a emissão de moeda sem lastro pelo Banco Central europeu.

Tais medidas não só aumentaram as dívidas públicas e privadas estatais, como criaram expectativas de insolvências mundiais, tanto dos Estados Unidos como dos países da União Europeia, bem como acendeu a luz amarela para todo o sistema bancário em relação a fenômenos similares que viessem a ser formatados.

​Entendo que o recentíssimo estremecimento dos mercados com o caso específico da incorporadora Evergrande se deve à perspectiva de insolvabilidade da astronômica dívida chinesa que corresponde a cerca de 300% do seu PIB, e que já se anuncia como impagável até mesmo para o chamado serviço da dívida, ou seja, insolvabilidade dos juros cobrados pelos credores internacionais.

​O governo chinês ainda tem fôlego para colocar o dedo na trincadura do dique, mas a possibilidade de rompimento avassalador existe!

​Não devemos nos esquecer de algo que de tão trivial muitas vezes nos passa desapercebido, ou seja, que são os rentistas com suas aplicações financeiras aqueles que emprestam suas economias ao sistema financeiro, que por sua vez empresta ao Estado e às empresas privadas, almejando remuneração pelo capital investido.

​Se se observar qualquer fissura na confiança dos rentistas em suas aplicações e isto provocar uma corrida de resgate monetário, certamente que teríamos não apenas um tsunami, mas um abalo em todo o sistema monetário e de crédito que corresponderia em termos de paralelos financeiros ao estrago que o choque físico de um meteoro gigante causaria ao colidir com o Planeta Terra.

O FMI – Fundo Monetário Internacional, já em 2019, alertava para o risco do crescente endividamento chinês e a previsível queda do crescimento do PIB chinês, justamente porque não seria possível à China continuar crescendo no ritmo anterior. O consumo de mercadorias tem um limite físico e monetário.

Com o advento da crise sanitária do coronavírus, que com sua capacidade de contaminação avassaladora causou mortes em torno de 2% a 3% dos contaminados mundo afora, obrigou-nos a todos a um confinamento nunca antes experimentado pela humanidade.

Com isto veio a redução do crescimento do PIB chinês que já vinha ocorrendo e ficou ainda mais acentuada (de 6,6% em 2018; para 6,1% em 2019; e 2,3% em 2020), e a expectativa de default de muitas das empresas chinesas passou a estar na pauta das expectativas.

Mas a economia globalizada está de tal forma interligada que o mundo teme a falência da China, porque se trata do segundo maior PIB mundial, e de um contingente humano que corresponde a cerca de 20% de toda a população mundial.

A insolvência chinesa provocará a insolvência em cadeia de países, porque a China é uma grande compradora de commodities e isto pode representar uma paralisia ainda maior na economia mundial.
O investidor anônimo da região mais remota do planeta que aplica suas economias num banco multinacional, poderá se ver privado de usar os seus recursos, e isto, evidentemente, abalará o consumo de mercadorias, e consequentemente isto deverá promover o emperramento de todo a engrenagem capitalista.

Da mesma forma, a queda da arrecadação de impostos representará para os países endividados (todos, sendo os mais pobres escorchados pela agiotagem internacional bancária) a impossibilidade de rolagem de suas dívidas e pagamento dos juros, paralisando definitivamente o funcionamento da engrenagem capitalista.
Este é um desfecho já anunciado para a economia mundial, com as tragédias dele decorrentes, que em face desta realidade terá que se valer de um novo modo de produção social capaz de evitar as dramáticas consequências que advirão de um crash internacional capitalista.

Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;

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Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;