O FUTURO DO PASSADO OU A FEBRE DA AFIRMAÇÃO IDENTITÁRIA

(Anotações preliminares em torno de um tema incômodo relativamente aliciante)

Do que carecemos, a uma certa idade, do “mídi” da vida em diante — para nos sentirmos jovens ? Melhor, o que esperar dos nossos esforços e do nosso empenho para nos sentirmos emocionalmente “remoçados”?

Os jovens que ainda não envelheceram e. apesar das evidências, não creem possam envelhecer um dia, recorrem sem parcimônia aos paradigmas da modernidade.

Os valores de tudo o que é novo, do que está por acontecer, no imediato das suas próprias ansiedades, são as suas armas e o seu alento.

Resistir contra o envelhecimento é a forma mais segura de rejeitar valores gastos, a seu juízo, peremptos. O passado é uma referência aborrecida, na medida em que traz a lembrança amarga e indesejável de fracassos acumulados e a que pouco interessam sejam resgatados.

Criam-se os estereótipos sociais e culturais, como instrumento de afirmação identitária, como paradigmas do presente e referência linear do futuro.

Perdura entre esses “reformadores” a percepção da “provisoriedade” do passado, em face da permanência do futuro, em processo de incessante elaboração.

A questão identitária, cuja importância assumiu contornos muito fortes nos tempos mais recentes, impõe-se como valor indiscutível que se pretende configure extenso e profundo processo social, cultural e político, associado a questões étnicas, de grupos culturais periféricos, marginalizados socialmente. Neste conjunto de elementos contraditórios incluem-se notórios fatores históricos e o peso da discriminação que mantiveram contingentes populacionais expressivos, classes, gênero e grupos distintos ou paradoxalmente indistintos, excluídos em decorrência de preferências sexuais desviantes dos padrões moralmente aceitos pelo conjunto da sociedade.

Defesa em nome próprio armada, os negacionistas do real, tomam já, presuntivamente, como defesa preventiva, as mostras visíveis de identitarismo como manifestação discriminatória para torná-lo menos do que a verificação de um reducionismo autoritário, como de fato está a ocorrer.

A mudança, sob os diversos aspectos como quer que se apresente, implica na revisão de hábitos, na organização social e nos controles políticos exercidos na sociedade, nos territórios do Estado. Estas forças incontroláveis encontram-se presentes na busca da criação do “novo”, condição ou fator a que se associam valores em transição, sob a influência de poderosas persignações ideológicas e pela persistência de lealdades religiosas recorrentes.

A afirmação de uma nova identidade, graciosamente construída, como apontam alguns antropólogos mais atentos, é arma de defesa prévia contra realidades incomodas que fragilizam uma narrativa de ocasião.

A afirmação do futuro haverá de ocorrer, na percepção destas revelações, pelo “conserto” dos desvios do passado. Pela limpeza ética e política a que deverão ser submetidas as sombras indesejadas do passado-presente, em favor de um presente-futuro…

A pós-modernidade significa, numa interpretação superficial e reconhecidamente limitada, sob forma persistente, nem sempre ordenada, a substituição do passado, de utopias mal sucedidas, pelo anúncio de estereótipos concebidos, sedutores, dessas distopias que hão de ser dissimuladas a todo custo.

A rejeição do passado real, histórico, a recusa de heranças e feitos originários, em decorrência de imposições e conflitos julgados perversos, quase sempre dá lugar a formas idealizadas do passado que nem todos as testemunhas gostariam de ter entre as nossas fontes fundadoras.

A colonização em países, como o Brasil, que passaram por esta amarga e trágica experiência, é considerada a matiz perversa de toda a sociedade e da cultura política que moldaram as suas instituições e as suas feições civilizacionais. Torna-se inevitável que se ponha em seu lugar, a projeção da visão magnificada de estereótipos cultivados na celebração de povos, etnias e culturas esmagados no longo processo de construção nacional.

O “estilo nacional”, por força de um enérgico processo de negação e refugo — a que não lhe faltam, duro admiti-lo, em decorrência de razões consistentes — , ganha reforço, em muitos casos por um simpática e convincente ficção de forte inspiração de um nacionalismo literário confessadamente sedutor.

No Ocidente europeu e nas nações periféricas nascidas nos limites de uma colonização de características religiosas acentuadamente dogmáticas, deu-se uma ingênua valorização dessas virtudes do homem sem pecados em sua vida simples, natural, dos hábitos contidos e rústicos dos camponeses, de populações indígenas originárias e dos grupos humanos aprisionados e feitos escravos, na expansão de um mundo afirmativamente mercantilista.

A apropriação da cultura indígena e da cultura de outros contingentes, de migrantes forçados de outros continentes, foi em muitos casos mais do que um impulso irresistível do gênero da literatura pastoral.

A adoção espontânea de costumes, hábitos e ritos, de canções, dialetos, do folclore, até mesmo de nomes próprios apropriados familiarmente, símbolos de afirmação étnica, é na verdade um forte desejo de criação identitária, atualmente perceptível em amplos contingentes da classe média, no caso do Brasil.

A nova identidade pretendida e procurada surge, assim, de uma mistura de símbolos étnicos e de formas comportamentais aré então socialmente rejeitadas, como base do seu ethos. Dá-se um processo incontrolável de mitologização criada à imagem de novos-velhos ou velhos-novos paradigmas culturais.

Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.

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Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.