O FLAUTISTA MÁGICO E OS RATOS

(Adaptação livre de “O Flautista de Hamelin”, dos irmãos Grimm)

Em um país distante em lugar que não posso lembrar, houve uma incontrolável proliferação de ratos que a muitos assustou e a todos encheu de horror.

A população, atemorizada e tomada de asco e repulsa pela multiplicação de roedores (suspeitavam as criaturas mais ilustradas que ratos são promíscuos e polígamos) nada fez, e começava a habituar-se àquela buliçosa convivência, quando apareceu no povoado um caminhante que se propôs a exterminar os ratos. Cobrava por cabeça, a 1,5 reais, moeda local, controlada pelo quês os autóctones chamavam de Banco Central.

Ouvidas as lideranças mais influentes e os campos dominantes de inspiração gramscista, colheu-se, surpreendentemente, a unanimidade e a aquiescência dos cidadãos. Na democracia, paga-se qualquer preço desde que não tenhamos de defender pessoalmente pelo nosso direito e uma ideia fugidia que os mais novos têm sobre a liberdade.

Assentadas as condições do trabalho contratado, dois dias transcorridos, já não havia ratos nas ruas, tampouco nas casas.

Livres dos fatos, os cidadãos de bem e as pessoas esclarecidas convenceram-se de que haviam sido explorados. Um rato não valia 1,5 reais! Ademais, o recém-chegado não exibirá as cabeças dos ratos para a contagem pelo almoxarifado da prefeitura. 

Decidiu-se e o conselho de cidadãos conspícuos da vila pelas vozes mais influentes que não pagariam o que lhes cobrava o matador de ratos. De nada adiantaria as negociações requeridas  pelo destruidor de roedores. 

Dois dias passados, as crianças das famílias bem nascidas, como as de outras menos recompensadas pela sorte, desapareceram. Já não se viam ratos nem crianças pela praça principal.

Os líderes mais corajosos puseram-se a refletir sobre os trágicos acontecimentos.  Chegaram à conclusão, sem controvérsias ou ponderações de estilo, que naquele vilarejo quando não se adotam as medidas aconselhadas em atraso, tomam-nas antes do tempo . 

Ocorreu a alguns mais expedidos que a defesa do Estado não é da mesma natureza que a condenação dos governantes. E que para preservar vivas as crianças não basta deixar vivos os ratos.

Anos passados, nem governantes, nem comissários da ordem, nem todos os estados-maiores das forças de terra, mar e ar, tampouco os homens de toga ou os filósofos, os antístites consagrados pela sua empoderada fé ou os empreendedores e toda a militância foram capazes de explicar e entender porque as crianças não voltaram para casa. 

Naquela cidade havia vida inteligente. Mas não havia quem pudesse distinguir estratégia de tática e revolução de insurreição…

Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.

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