O elefante no salão de cristais e a hipocrisia fiscal

O déficit fiscal que a imprensa condena e o déficit que a imprensa não condena são diferentes no tamanho e no adjetivo. Mas ambos são déficits, contados em dinheiro, contabilizados em reais. Um deles é bem maior que o outro, de seis a oito vezes maior. Digamos que um deles é 120 bilhões de reais, o outro é 800 bilhões de reais. Ambos são calculados anualmente, ambos do governo federal, mas cada um tem seu adjetivo. O adjetivo de um dos dois déficits é ‘primário’, o adjetivo do outro é ‘nominal’. Um está dentro do outro.

Um deles é cobrado pela imprensa, o outro é cuidadosamente esquecido, ninguém fala dele. Este é um procedimento jornalístico que já caminha para completar 30 anos. Também é procedimento de governo. Jornalistas, economistas e empresários nunca reclamam do déficit grande, só reclamam do pequeno. A população nunca recebeu nestas três décadas a devida explicação sobre um e sobre o outro. Nem o governo se explica.

Certamente, este procedimento tem suas razões e protege interesses, mas nem as razões, nem os interesses são são gerais, amplos. O procedimento convém a um grupo pequeno e com certeza poderoso.

Os presidentes da República e os ministros da Fazenda, assim como o presidente do Banco Central administram bem essa, digamos, discrição. Pagam sem chiar o grande déficit, só falam sobre o pequeno, só admitem como problemático o menor. O grandão é como um elefante andando pelo salão de cristais, e todos e todas fingem que não veem.

Esse procedimento levanta uma ou outra questão. Será sincera a convicção de jornalistas, economistas e empresários quando falam de equilíbrio fiscal? Será que o déficit é realmente mau para o país, ou ele só é mau se for pequeno e tiver um certo adjetivo?

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.