O Banco Central (não) pode piscar

Diariamente, várias vezes ao dia, o Banco Central faz operações de compra e venda de títulos e moedas (principalmente dólar) em valores biolionários com bancos particulares nacionais e estrangeiros, no exercício de sua função de guardião da estabilidade do valor da moeda nacional e de gestor final das contas do país em moeda estrangeira na relação com os demais países do mundo. É coisa delicada, envolve grandes somas, grandes interesses, lucro e prejuízo não são seu objetivo, mas fazem parte de suas circunstâncias. Nesse contexto, o BC é gestor da dívida pública — um bolo de dinheiro da ordem de quatro trilhões de reais. Define a taxa de juro que vai remunerar as pessoas, as empresas e as instituições mais ricas e poderosas da sociedade (sim, a taxa que incide sobre a montanha de quatro trilhões). O Banco Central não opera diretamente, opera através de uma seleção que ele mesmo faz entre os grandes bancos — estes, sim, operam em nome do Banco Central.

Não há instituição pública mais poderosa. Por isso exige-se dela grande competência, enorme credibilidade e deveria ser cobrada por sua gigantesca responsabilidade.

Em dólares, as transações de compra e venda podem ser estimadas em algum número entre cinco e dez bilhões a cada dia. Referem-se a transações comerciais (exportações e importações) e a negócios financeiros (investimento externo, saída de capital, juros, dividendos, seguros, fretes etc). Somando os dias úteis, vamos para a casa dos trilhões anuais.

Observe que um prosaico hum por cento de lucro ou de prejuízo representam dezenas de bilhões de dólares para o cofre do Tesouro, de um lado, ou para o cofre do mercado, do outro lado. É mesmo coisa delicada, e tudo acontece em enorme velocidade, em operações eletrônicas a vista e a prazo, de economia real ou especulativa (sim, mercados futuros têm inevitável componente  especulativo).

A moeda brasileira foi a que mais desvalorizou no mundo este ano. Algo em torno de quarenta por cento. Tudo indica que o país ganhou (pois o Brasil tem reservas em dólares monumentais, algo como trezentos e cinquenta bilhões). Mas, o que vem depois e o que pode acontecer não se sabe. Também não se sabe o que está acontecendo com as microoscilações de cada dia (nem tão micro assim).

A taxa de juros dos títulos da dívida pública é a mais baixa da história, mas a imprensa diz que os investidores estão cobrando deságio (ou seja, não aceitariam mais receber apenas a Selic) e que esse deságio já está acima do dobro da Selic.

A cotação dólar-real está descolada de qualquer critério mais rigoroso. A inflação ameaça disparar. A fuga de capitais nos últimos dois anos já passou de cento e dez bilhões de dólares.

O Banco Central tem uma enorme responsabilidade e precisa proteger sua credibilidade. Ele não pode nem sequer piscar nesse campo de atuação tão sensível, com tantos , tamanhos e tão estratégicos valores em jogo.

O Brasil não aguentaria.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.