Chico na vitrola não adormece. Tampouco adormecem os amantes, nem se afobam, há o amor a ser concluído e nada é pra já. Faz-se aos poucos, o amor. Devagarinho. É no diminutivo que se faz o amor — diz o amante, emanando o desejo, sem entregá-lo de uma só vez. Ao mesmo tempo, pensa: como são ridículas todas as falas de amor. Ela se contém, suspende o prazer, movimenta o corpo a ondular-se, une as pernas represando o desejo, depois deixa-o materializar-se em pequenas porções: o arrepio, o cheiro, o tato, o gosto, a sucção, o afeto. Até que o amor deságua-se fluido, feito cachoeira, entre os corpos submersos dos amantes. Fogo, água, paixão.
Lá fora, explodem bombas de efeito moral contra uma manifestação democrática suprimida pelo poder repressor. Homens e mulheres ainda acreditam que amanhã há de ser outro dia, apesar da repressão. O carnaval desfila na avenida enquanto a pátria, sem perceber, é subtraída num grande e tenebroso acordo. A Mangueira é campeã. Do quarto, os amantes podem ver a Sapucaí, o Corcovado, a porta de um armário, não importa, o amor realizou-se, embora somente na meteórica geografia de um segundo. Isso é algo sublime. Mesmo que sejam falsas, serão bonitas todas as histórias de amor.
Os amantes riem-se, úmidos e nus. Compartilham a intimidade possível e aninham-se no corpo um do outro, sem culpa ou compromisso. Escutam na vitrola: “mesmo sendo errados os amantes, seus amores serão bons”. Chico convence em cada palavra, sente o prazer que nasce do jeito manso de um amor, de um beijo nos seios e no ventre, carregado de rodeios sensuais, delicadeza e ternura. Com inacreditáveis olhos verdes e uma voz sexy, ele não precisa amar para falar de amor, ele é poeta e canta a mulher, seja em prosa ou verso, com a propriedade de quem conhece o feminino. Ele canta a Geni, Iolanda, Ana, Bárbara, as mulheres de Atenas; a inocente Teresinha a receber o primeiro, o segundo e o terceiro, que tomam posse de seu corpo, enquanto assustada, ela diz não.
Os protestos prosseguem lá fora, a polícia inibe os manifestantes, não os amantes. Não há pudores ali. Ela se ergue da cama, nua e bela; ele a puxa para si entre gargalhadas cúmplices, o desejo reacende, ela vai até a vitrola e muda o LP. Chico não adormece e nem os deixa adormecer, porque o amor é bom. Os amantes recomeçam. Escutam apenas a canção e a inconfundível música de um corpo sobrepondo-se ao outro, na busca pelo prazer, como se o corpo de um, fosse a morada do outro.
Regina Castro
Bonito texto! O protesto é necessário nos nossos tempos dificeis, ser resistência aos podres poderes. Mas o amor é imprescindível! E Chico é tudo isso, faz resistência, mas também nos presenteia com suas lindas canções de amor!E Íris capta esse momento! Escrever é mágico, socializar o nosso sentir! Bravo!
Regina Castro
Bonito texto! Enquanto a vida segue. nas lutas, protestos ou não, o Chico nos alenta falando de amor! Sempre lindo e necessário é o Chico em nossas vidas!Protestar também, ser resistência nesses tempos dificeis! Outra dimensão do Chico! Viver é tudo isso!
Jaime Soares
Muitos parabéns pelo bonito texto!
Essa é uma homenagem à presença da música do nosso quotidiano, uma canção de afectos e um grito de responsabilidade através da caneta. A procura da alternativa.
É um ensaio sobre a utilidade das sensações, o amor é a arma dos amantes. E há um olhar sobre a beleza de elementos opostos.
Força. Continua!
Grande abraço e muitos beijos deste Portugal. ^,^
Jaime Soares
Parabéns pelo texto!
Uma homenagem à presença da música e da arte no nosso quotidiano, uma canção que não esquece o amor em dias de protesto. Um ensaio sobre a necessidade dos afectos e da beleza dos opostos. O amor é arma dos amantes. E a tua escrita é grito responsável.
Tudo de bom. Beijinhos e abraços deste Portugal.
Heliana Querino
O amor e o “eu feminino” do Chico, lindo, lindo, parabéns a escritora!
Maria Betânia De Moura
Íris, que lindo! Ler sobre o amor em um dia de chuva me fez feliz. Bjs
Tereza Joca
Que maravilha Íris! Texto tão intenso como a intensidade desse amor.
Meu abraço! 🤗