O ABANDONO DA CIDADANIA, por Rui Martinho

Os brasileiros tomaram-se de indignação com a política tradicional. Explodiram nas jornadas de junho de 2013. Destituíram a Presidente Dilma. Encheram-se de entusiasmo e de esperança com as condenações da Lava Java, que também recuperou somas expressivas do dinheiro desviado do erário. Criou-se uma expectativa de que os problemas seculares, agudizados pela recessão semeada pelo governo destituído fossem resolvidos de imediato. O que temos, porém, é a mais profunda depressão econômica, cuja complexidade não permite recuperação a curto prazo. Raízes políticas e institucionais da crise não serão removidas com brevidade.

O público percebeu isso. A sucessão manteve no poder parte da composição do governo destituído. As práticas da velha e desmoralizada política continuam, indiferentes à Lava Jato. As idas e vindas do Judiciário colocam em dúvida o prosseguimento da Lava Jato. Ficou evidente que não temos partidos. A falta de liderança capaz e confiável tornou-se evidente. O eleitorado perdeu a esperança. A ideia de emigrar atingiu proporções inéditas no Brasil, que deixou de ser visto como o país do futuro para ser considerado um país sem futuro nos limites das projeções previsíveis. Saímos do exagero otimista para o extremo do pessimismo. A situação é grave, mas tem solução, ainda que com sacrifícios.

A desesperança, todavia, levou os brasileiros na direção do voto nulo ou em branco. O não comparecimento às urnas, segundo pesquisas, tende a alcançar proporções inéditas. É a renúncia ao exercício da cidadania. Quem está abdicando do voto válido? Os indignados e desesperançados. Algum líder, individualmente, ainda pode atrair votos. O Parlamento, todavia, não conta com a sedução dos salvadores de pátria, dos chamados líderes carismáticos, havidos como mitos. A renúncia ao exercício da cidadania é mais aguda em relação ao voto para as casas legislativas.

O presidencialismo de cooptação foi desmascarado. O Congresso sofreu grande desgaste. As campanhas, que já estão em andamento há muito tempo, só tratam dos cargos executivos. O sistema proporcional desorienta o eleitor, que não sabe quem se beneficia do seu voto. Não temos desinteresse, mas desesperança na atitude dos que se abstêm do voto. O sentimento tem fundadas razões. Mas nada pode ser pior do que a renuncia ao exercício da cidadania. Quem se beneficia da inapetência política? O velho tradicional jogo da política de favores é um dos beneficiados. Na ausência do voto cidadão, o voto vendido passa a ter um peso proporcionalmente maior. Outro beneficiado é o voto sectário, da militância de partidos de convicção, com todas as suas mazelas, que vão da intolerância messiânica ao comportamento inescrupuloso dos supostos salvadores para os quais os fins justificam os meios.

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

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