Foto em destaque: Camila Leite
Há tempos o digital me inquieta. Há tempos me ocupo de pensá-lo. Comecei analisando-o na prática da fotografia de família. O que ele poderia trazer de novo, o que ele encerrava e o que ele continuaria da prática da fotografia analógica.
Nesse período, analisei a prática do álbum de família e entre muitas das minhas percepções, compreendi que com o advento do digital na fotografia, os álbuns continuam sendo um importante instrumento da narrativa familiar.
Mas, mesmo com a continuidade do álbum, a prática da fotografia familiar foi se alterando ao longo do tempo. No início do período analógico, a fotografar na família era um evento que exigia a vinda de um fotógrafo ao ambiente familiar, marcado por um certo requinte de vestimentas e poses, a seguir com a popularização dos rolos de filme da Kodak, a câmera saiu da mão do profissional para a figura paterna da família, e finalmente, com o digital a câmera sai da mão do pai para as mãos dos filhos.
Percebei que o álbum de família continua sendo feito pela figura materna, talvez hoje ainda mais do que antes. Mas que atualmente eles são apresentados em plataformas de comunidades virtuais como o Facebook. Assim, as imagens não envelhecem, não ganham dobras ou mudam de cor. Permanecem inalteradas pelo tempo até que simplesmente se percam. Os álbuns digitais também propiciam uma participação mais ativa para seus expectadores, os quais deixam suas impressões e assim influenciam a percepção uns dos outros.
Observando a imagem digital por outros ângulos, percebi que na verdade ela deu visibilidade a inúmeras práticas que existiam há muito tempo, mas que estavam reservadas a produções de artistas e ao discurso modernista e purista que gostava de separações claras entre o texto, a imagem, a pintura, a fotografia, o cinema e o vídeo. Com o digital, essas linguagens não apenas sofrem uma série de combinações e sobreposições, mas vêm à tona no centro das produções contemporâneas.
Há tempos o digital me inquieta e me encanta. Me encantam algumas de suas produções e práticas. A possibilidade de se ter uma experiência com o mundo amorosamente por uma lente fotográfica. Cria experiências estéticas a partir do comum, do banal, daquilo que muitos olham mas não vêem. Da oportunidade de misturar várias linguagens e estilos em um mesmo produto.
Para encerrar esse devaneio apaixonado, deixo com vocês o link de acesso a um trabalho que transborda afeto, intimidade e que representa as mudanças sociais que hoje vivemos em nossas famílias e nas formas de produzir as nossas imagens.
Trata-se de um vídeo chamado Caixa de Sapato, produzido por um coletivo fotográfico “Cia de Fotos”. A Caixa de Sapato, assim como as antigas caixas de sapatos de fotografias, guardam imagens que supostamente não seguem a sequencia de uma narrativa, mas são um amontoado de fotografias da família, dos amigos, dos momentos mais íntimos e pessoais que guardamos. Um produto que desafia as nossas definições da imagem fixa e da imagem em movimento, daquilo que é público e privado, do que é um ingênuo realismo e do que é criação e ficção de um real.