Finalmente, é chegado o momento em que as campanhas municipais têm início em nossa comarca latino-americana. No octógono da arena de nossas principais cidades, apresenta-se novamente o enfrentamento político-institucional entre a ultradireita e as forças democráticas, em sua maioria capitaneadas pelo lulo-petismo. Mas engana-se quem acha que este texto – e os que se seguirão ao longo deste período – será mais uma tribuna na defesa de candidatos A, ou B. Não que o autor veja algum mal no debate de candidatos em si, ou que demonize a disputa da preferência do eleitorado para determinado projeto político.
Pela sua própria natureza local, as campanhas municipais são aquelas que mais diretamente nos afetam, tendo em vista o fato de que, a depender das candidaturas e de seus programas, a configuração imediata não só de nossa cidade, como de nossas relações cotidianas, tende a mudar para melhor ou para pior. Por esta razão, não há motivo para nos esquivarmos da discussão política, que é, aliás, algo necessário, tendo em vista esta razão.
A questão que me leva a tomar a pena e deslindar essas linhas não está na dinâmica imediata do enfrentamento destes candidatos, mas naquilo que hoje sustenta essa dinâmica…
Como assim?
Vamos tomar como exemplo o que houve nos jogos Olímpicos.
Essas competições, neste mês, tomaram nossas atenções de forma surpreendente nos colocaram diante deum fato aparentemente inusitado e paradoxal. Num País secularmente patriarcal celebramos exaltadamente – de forma justa e merecida, diga-se de passagem – o desempenho das atletas femininas, cujo número de medalhas superou, de longe, o de atletas masculinos. Tamanho entusiasmo, vindo de uma sociedade que sempre foi cruel e injusta com suas mulheres, não é algo para se surpreender?
Mas calma, esta foi apenas uma observação curiosa, vamos voltar ao nosso exemplo!
Bem, provavelmente você, assim como eu, não gostou de ver nossos atletas – independente do seu gênero – serem prejudicados em competições por conta da avaliação tendenciosa – para não dizer injusta! – de alguns juízes, não é mesmo?
Certo, agora siga o meu raciocínio: se nos incomoda o fato de vermos injustiças sendo cometidas em competições em que não nos envolvemos diretamente, o que dizer de uma disputa que, além de envolver como serão as nossas vidas durante os próximos quatro anos, já aparece comprometida pelas próprias regras do jogo?Revoltante, não é mesmo? Pois eis que é isto em que se tornaram as disputas eleitorais, não apenas em nosso caso, mas em toda as repúblicas do capitalismo contemporâneo.
Mas, por injustiça, não me refiro aqui apenas àlegislação eleitoral, nem a promíscua negligência de nossas instituições diante da realidade em que se dá o financiamento de campanha, a desproporção quanto a distribuição do tempo de propaganda eleitoral, nem outras tantas injustiças com a qual erroneamente nos acostumamos. Me refiro ao fato de que, as campanhas eleitorais da última década – ou pelo menos dos últimos quinze anos – aparecem enviesadas por aspectos que obscurecem a compreensão do eleitor médio, trazendo – além das dificuldades aludidas acima – mais problemas para uma discussão política séria.
O debate de propostas políticas é hoje substituído pela calúnia pessoal, potencializada pela indústria de fake news. A discussão quanto a definição popular sobre qual projeto de desenvolvimento social deva ser conduzida por nossas instituições é poluída pela viralização de polêmicas que afastam nossa atenção diante das questões mais importantes. E o pior…
Toda essa nebulosidade é feita de propósito!
Além de um exército de bots, de perfis fakes e de militantes fanáticos, a superestrutura das eleições burguesas tem todo um séquito de intelectuais e jornalistas à serviço da mídia corporativa – além de influencers, coachs, youtubers e tiktokers – só para, exatamente, manter sua atenção ocupada com fofocas de intrigas de bastidores. Não por acaso, a mídia corporativa contemporânea – em tempos onde as plataformas digitais e as redes sociais aparecem como fontes de informação – enfrenta, diante da opinião pública, uma crise de confiança sem precedentes.
Mas como ver aquilo que está “além do alcance”? Ou melhor, como enxergar aquilo que está exatamente ao nosso alcance, o “óbvio ululante” de Nelson Rodrigues? Como identificar aquilo que aparece nublado por aqueles que deveriam exatamente nos ajudar a observá-lo?
Não, não vamos aqui nos propor a fazer você entender a verdade!
Nesta pequena série intitulada: “Os Mitos do Senso-Comum da Política Burguesa” nos propomos apenas a ajudar você a confrontar com algumas afirmações que se apresentam para nós como verdadeiras, não porque coincidem com a realidade, mas porque foram repetidas por tanto tempo e em tantos lugares diferentes, que as aceitamos como verdade.
Por isso, não vamos aqui tentar convencer você sobre suas escolhas, mas questionar, junto com você, os critérios costumamos adotar para julgarmos nossa própria vida política.
Prontos?
Nos encontramos em sete dias!
Michael Melo Bocádio – Escritor e criador do site Destoando*
* Site Destoando agora em novo endereço: https://destoandosite.blogspot.com/