Melhores três minutos de Moacyr Franco

Após um inexplicável intervalo de quase três anos, assisti pela segunda vez o filme “O palhaço”, essa espetacular e impactante narrativa que Selton Mello levou às telonas em parceria com Marcelo Vindicatto, em 2011. A pretensa inocência da trama seguiu me cativando.

O que me arrebatou, novamente, foi a minúscula – quase mística – cena, talvez, sem muita importância para o roteiro, mas bem fundamentada, protagonizada pelo delegado Justo, vivido de maneira sensacional por Moacyr Franco.

Lá pelas tantas, Benjamim e cinco profissionais do circo, após uma apresentação no vilarejo chamado Montes Claros, se dirigem a um boteco local para uma merecedora desintoxicação cênica, regada a generosos goles de cachaça e partidas de sinuca.

O dono do bar, de espreita, ouve uma conversa sobre o ato de “enterrar o morto”, que se traduzia em fincar estacas em terrenos arenosos a fim de dar maior sustentação à lona do circo. Desconfiado de que estaria diante de uma quadrilha de homicidas, o homem resolve ligar para a polícia.

A cena é cortada para o interior de uma delegacia, na qual o desengonçado sexteto encontra-se olho a olho com o representante da Lei.

Daí em diante, desenrola-se uma passagem com pouco mais de três minutos de duração, sob um diálogo antológico em formato de interrogatório por parte do delegado.

A curta, simples e densa participação de Franco proporcionou uma intensidade ao filme e revelou sua vasta capacidade de interpretação, ao costurar entrecortes trágicos de uma brasilidade que ainda hoje permeia o modus-operandi de alguns espaços públicos – que têm o vezo de contaminar o cotidiano de cidades nos rincões do país -, no caso, o suborno.

O teor do diálogo é inteligente e instigante, pelo fato de ser extremamente cínico. Deixando transparecer uma contrariedade por estar ali naquele momento, interrogando-os (alegando que deixara uma reunião de ‘queijos e vinhos’, por ocasião do aniversário da mulher e, principalmente, por ter deixado o seu gato Lincoln sozinho em casa, ainda convalescendo de uma cirurgia que retirara do estômago felino uma bola de pelo), o delegado busca a todo custo desvendar o mistério do defunto que aquele estranho grupo, em algum lugar, havia enterrado. Ao saber que tudo não passou de uma má interpretação de significados, o delegado encara os presos e indaga: “E como é que fica o tempo que vocês me privaram da companhia do Lincoln?”.

O que se segue é um tal de ‘coçar’ os bolsos para juntar uns trocados, montante com o qual a fiança seria paga. Quando o escolhido para efetuar o pagamento se levanta e vai em direção à mesa, Justo – precavido -, antes de receber o dinheiro, olha para o lado e sussurra para um invisível ajudante: “Nicodemos, fecha a porta”.

“O palhaço”, cuja ideia nasceu de uma crise existencial vivida por Selton em 2009, acabou não concorrendo ao Oscar. Proporções guardadas, Moacyr correria sério risco de se igualar a Beatrice Straight – que levou a estatueta de ‘Melhor atriz coadjuvante’, em 1976, após aparecer em cena por apenas 5 minutos e 40 segundos no filme Network.

Porém, com mérito, o ator foi reconhecido no Festival de Cinema de Paulínia e recebeu o Troféu Menina de Ouro nessa mesma categoria.

Marco Garcia

Marco Garcia é jornalista paulistano. Morou em Fortaleza por 6 anos onde desempenhou trabalhos em diversas áreas da Comunicação. Foi produtor de Jornalismo do programa Eleitoral de TV do Governador Camilo Santana (Eleições 2014), Diretor de Comunicação da Prefeitura de Redenção (CE), Assessor de Imprensa do Prefeito de Redenção (CE), Assessor de Imprensa do Sindicato de Atletas de Futebol do Ceará, Repórter Esportivo nas rádios Clube AM 1200 e Cidade AM 860. Trabalhou ainda para a CUFA (Central Única das Favelas). Antes de se mudar para o Ceará, foi Editor de Conteúdo do Portal Webtranspo e repórter na Revista Webtranspo Info, veículos localizados na capital paulista.