Segunda Leitura
Apresentação
O artigo que ora divulgamos pela primeira vez no Brasil, foi escrito pelo filósofo liberal americano John Dewey a pedido dos editores da revista The New International e publicado em sua edição de agosto de 1938. Trata-se de uma crítica ao ensaio A nossa moral e a deles, de Leon Trotski, um dos principais líderes da revolução socialista russa de outubro de 1917.
Trotski, que era grato a Dewey por ele ter aceitado presidir o contrajulgamento que o absolveu de todas as acusações feitas nos processos de Moscou, nunca respondeu diretamente a esta crítica do filósofo liberal americano. A tarefa foi realizada pelo filósofo marxista, também americano, George Novack no ensaio Moralidade liberal, publicado nesta coluna passada. (Auto Filho, editor da coluna).
John Dewey*
Meios e fins
Sobre A nossa moral e a deles
A relação entre meios e fins sempre foi uma questão importante na moral. Também tem sido um assunto candente na teoria e prática política. Ultimamente, a discussão tem se centrado sobre os desenvolvimentos posteriores do marxismo na URSS. O curso dos stalinistas tem sido defendido por muitos de seus adeptos em outros países com o fundamento de que os expurgos e processos, talvez até com certa quantidade de falsificação, foram necessário para manter o alegado regime socialista daquele país. Outros usaram as medidas da burocracia stalinista para condenar a política marxista com o fundamento de que esta conduz aos excessos que ocorreram na URSS precisamente porque o marxismo afirma que os fins justificam os meios.
A discussão teve pelo menos um resultado teórico útil. Ela trouxe à tona pela primeira vez, tanto quanto eu sei, uma discussão explícita por um marxista consistente sobre a relação entre meios e fins na ação social… Proponho discutir esta questão à luz do Sr. Trotsky sobre a interdependência de meios e fins. Muito da parte anterior de seu ensaio1 não entra, portanto, em minha discussão, embora eu possa dizer que, com base no argumento tu quoque2 (sugerido pelo título), Trotsky não teve grande dificuldade em mostrar que alguns de seus críticos agiram de maneira muito semelhante à que lhe atribuem. Visto que o Sr. Trotsky também indica que a única posição alternativa para a ideia de que o fim justifica os meios é alguma forma de ética absolutista baseada nas alegadas libertações de consciência, ou um senso moral, ou algum tipo de verdades eternas, desejo dizer que escrevo de um ponto de vista que rejeita todas essas doutrinas tão definitivamente quanto o próprio Sr. Trotsky, e que sustento que o fim no sentido de consequências fornece a única base para idéias e ações morais e, portanto, fornece a única justificativa que pode ser encontrada para os meios empregados.
O ponto que proponho considerar é aquele levantado no final da discussão do Sr. Trotsky na seção intitulada Interdependência dialética entre fins e meios. [Transcrito a seguir].
Interdependência Dialética Entre Fins e Meios
O meio não pode ser justificado senão pelo fim. Mas também o fim precisa de justificação. Do ponto de vista do marxismo, que exprime os interesses históricos do proletariado, o fim está justificado se levar ao reforço do poder do homem sobre a natureza e à supressão do poder do homem sobre o homem.
Isto significa então que, para atingir este fim, tudo é permitido? – perguntará sarcasticamente o filisteu, demonstrando que não entendeu nada. E permitido, responderemos, tudo aquilo que leve realmente à libertação dos homens. Já que este fim não pode ser atingido senão por via revolucionária, a moral emancipadora do proletariado tem necessariamente um caráter revolucionário. Como aos dogmas da religião, esta moral se opõe a todos os fetiches do idealismo, gendarmes filosóficos da classe dominante. Ela deduz as normas de conduta das leis do desenvolvimento social, isto é, antes de tudo, da luta de classes, que é a lei das leis.
O moralista ainda insiste: Isto significa então ave, na luta de classes contra o capitalismo, são permissíveis todos os meios? A mentira, a falsificação, a traição, o assassínio, etc?
Respondemos: são admissíveis e obrigatórios apenas os meios que aumentam a coesão do proletariado, inflamam sua consciência com um ódio inextinguível para com toda forma de opressão, ensinam-lhe a desprezar a moral oficial e seus arautos democráticas, dão-lhe plena consciência de sua missão histórica e aumentam sua coragem e sua abnegação. Donde se conclui, afinal, que nem todos os meios são válidos.
Quando dizemos que o fim justifica os meios, disto deriva para nós que o grande fim revolucionário repudia, entre estes meios, os procedimentos e os meios indignos que lançam uma parte da classe operária contra outra; ou que tentam fazer “a felicidade das massas” sem a sua organização, substituindo-as p !a adoração dos “chefes”. Acima de qualquer outra coisa, a moral revolucionária condena irredutivelmente o servilismo para com a burguesia e o desprezo para com os trabalhadores, que ó uma das características mais arraigadas na mentalidade dos pedantes e dos moralistas pequeno-burgueses.
Estes critérios, é obvio, não definem o que é consentido ou não em cada situação determinada. Não existem respostas automáticas deste tipo. As questões da moral revolucionária confundem-se com questões da estratégia e tática revolucionárias. Somente a experiência viva do movimento, iluminada pela teoria, pode dar a resposta certa a esses problemas.
O materialismo dialético não separa os fins dos meios. O fim é deduzido de maneira natural do dever histórico. Os meios estão organicamente subordinados ao fim. O fim imediato transforma-se no meio do fim ulterior.
Ferdinand Lassalle em seu drama Franz von Sickingen faz um de seus personagens dizer:
Não indiques apenas o fim,
Mas mostra também o caminho
Porque o fim e o caminho
tão unidos estão
que um muda o outro
e com ele se move
– e cada novo caminho
revela um novo fim.
Os versos de Lassalle são bastante imperfeitos e, o que é pior, o próprio Lassalle, em sua conduta política prática, abandonou a norma que exprimia nestes termos: sabe-se que chegou inclusive a manter negociações secretas com Bismarck. Mas a interdependência entre fins e meios está expressa nestes versos. É preciso semear um grão de trigo se se quiser obter uma espiga de trigo.
O terrorismo individual é ou não admitido do ponto de vista da “moral pura”? Nesta forma abstrata, a pergunta é para nós totalmente desprovida de sentido. Os burgueses conservadores suíços ainda tributam elogios oficiais ao terrorista Guilherme Tell. As nossas simpatias estão sem reservas com os terroristas irlandeses, russos, polacos, hindus, que combatem um jugo político e nacional. Kirov, sátrapa brutal, não suscita em nós a mínima compaixão. E se viéssemos a saber que Nicolaiev o abateu conscientemente com o fim de vingar os operários cujos direitos Kirov espezinhava, nossas simpatias estariam sem reserva com
o terrorista. Mas o elemento decisivo aos nossos olhos não é o móvel subjetivo, é a utilidade objetiva. Um tal meio pode-nos conduzir ao fim? Pelo que se refere ao terrorismo individual, a teoria e a experiência demonstram o contrário. Nós dizemos ao terrorista: “Não é possível substituir as massas; teu heroísmo só pode encontrar aplicação útil no seio do movimento de massas.” Nas condições de uma guerra civil, o assassínio de certos opressores deixa de ser terrorismo individual. Se um revolucionário fizer saltar o general Franco e seu estado maior, duvido que este ato sustasse indignação moral mesmo entre os eunucos da social-democracia. Em tempos de guerra civil um ato deste gênero seria politicamente útil. Assim, na questão mais grave – a do homicídio – as normas morais absolutas são de todo inoperantes. O juízo moral está condicionado, como o juízo político, pelas necessidades internas da luta.
A emancipação dos operários não pode ser senão obra dos próprios operários. Não há, pois, crime pior do que enganar as massas, do que fazer passar as derrotas por vitórias e os inimigos por amigos, do que corrompei os chefes, do que inventar lendas, do que fabricar processos judiciais de impostura – enfim, do que fazer o que fazem os stalinistas. Estes meios podem servir apenas a um fim: prolongar o domínio duma camarilha condenada pela História. Não podem servir, porém, à emancipação das massas. Eis porque a IV Internacional sustenta contra o stalinismo uma luta de morte.
As massas, normalmente, não estão isentas de falhas. Não estamos inclinados a idealizá-las. Temo-las visto em múltiplas circunstâncias, em várias fases, em meio às vastas conclusões. Notamos suas fraquezas e suas qualidades. Qualidades: a decisão, a abnegação, o heroísmo que encontram sempre sua mais alta e expressão nos períodos de ascenso revolucionário. Nestes momentos, os bolchevistas estão à cabeça das massas. Outro capítulo da história se abre quando se revelam as fraquezas dos oprimidos: heterogeneidade, insuficiência cultural, horizontes limitados. Cansadas, deprimidas, desiludidas, as massas perdem a confiança em si mesmas e cedem lugar a uma nova aristocracia. Neste período, os bolchevistas (os “trotskistas”) encontram-se isolados das massas.
Na prática já percorremos dois ciclos análogos: 1897-1905, anos de afluxo; 1907-1913, anos de refluxo; 1917-1923, anos marcados por uma ascensão sem precedentes na história; depois um novo período de reação, que ainda não acabou. Graças a esses eventos, os “trotskistas” aprenderam a compreender o ritmo da história – em outros termos, a dialética da luta de classes. Aprenderam, parece que com sucesso, a subordinar a esse ritmo objetivo seus desígnios subjetivos e seus programas. Aprenderam a não desesperar, porque as leis da história não dependem de nossas inclinações individuais ou de nossos critérios morais. Aprenderam a subordinar suas inclinações individuais a estas leis. Aprenderam a não temer nem mesmo os inimigos mais poderosos, se a potência destes inimigos estiver em contradição com as exigências do desenvolvimento histórico. Sabem nadar contra a correnteza com a profunda convicção de que um novo fluxo histórico de renovada potência os levara a outra margem. Nem todos chegarão: alguns se afagarão ao longo do caminho. Mas participar desse movimento com os olhos bem abertos, com a máxima tensão da vontade, esta já é par si a suprema satisfação moral que pode ser dada a um ser pensante!
Coyocan, 16 de fevereiro 1938
A seguinte afirmação é básica: “Um meio só pode ser justificado pelo seu fim. Mas o fim, por sua vez, precisa ser justificado. Do ponto de vista marxista, que expressa os interesses históricos do proletariado, o fim é justificado se levar ao aumento do poder do homem sobre a natureza e à abolição do poder do homem sobre o homem”. … Este aumento do poder do homem sobre a natureza, acompanhando a abolição do poder do homem sobre o homem, parece, portanto, ser o fim – isto é, um fim que não precisa ser justificado, mas que é a justificação dos fins que, por sua vez, são meios para ele. Pode-se também acrescentar que outros, além dos marxistas, podem aceitar essa formulação do fim e afirmar que ela expressa o interesse moral da sociedade – se não o interesse histórico – e não a moral exclusivamente do proletariado.
Mas, para o meu propósito atual, é importante notar que a palavra “fim” é usada aqui para cobrir duas coisas – o fim justificador final e os fins que são eles próprios meios para esse fim final. Pois, embora não seja dito com tantas palavras que alguns fins são apenas meios, essa proposição está certamente implícita na afirmação de que alguns fins “levam a aumentar o poder do homem sobre a natureza, etc.“, que o princípio de que o fim justifica os meios não significa que todos os meios sejam permitidos. “É permitido – respondemos – o que realmente leva à libertação da humanidade”.
Se esta última afirmação fosse respeitada e seguida de forma consistente, seria consistente com o princípio sólido da interdependência de meios e fins. Estando de acordo com isso, isso levaria a um exame escrupuloso dos meios que são usados, para verificar quais serão suas reais consequências objetivas, tanto quanto é humanamente possível dizer – para mostrar que eles realmente levam à libertação da humanidade. É neste ponto que o duplo significado do fim se torna importante. Na medida em que significa consequências efetivamente alcançadas, é claramente dependente dos meios usados, enquanto as medidas em sua capacidade de meios dependem do fim no sentido de que devem ser vistas e julgadas com base em seus resultados objetivos reais. Com base nisso, uma visão final representa ou é uma ideia das consequências finais, caso a ideia seja formada com base nos meios considerados mais prováveis de produzir o fim. O fim em vista é, portanto, um meio para dirigir a ação – assim como a ideia de saúde de um homem a ser alcançada ou de uma casa a ser construída não é idêntica ao fim no sentido de resultado real, mas é um meio para dirigir a ação para alcançá-lo fim.
Agora, o que deu à máxima (e a prática que ela formula) de que o fim justifica os meios uma má fama é que o fim em vista, o fim professado e entretido (talvez com bastante sinceridade) justifica o uso de certos meios, e assim justifica a última que não é necessário examinar quais serão as consequências reais do uso dos meios escolhidos. Um indivíduo pode sustentar, e muito sinceramente no que diz respeito à sua opinião pessoal, que certos meios irão “realmente” levar a um fim professado e desejado. Mas a verdadeira questão não é a crença pessoal, mas os fundamentos objetivos sobre os quais ela é sustentada: a saber, as consequências que realmente serão produzidas por eles. Então, quando o Sr. Trotsky diz que “o materialismo dialético não conhece dualismo entre meio e fim, a interpretação natural é que ele recomendará o uso de meios que podem ser demonstrados por sua própria natureza para levar à libertação da humanidade como uma conseqüência objetiva.
Seria de esperar, então, que, com a ideia da libertação da humanidade como o fim em vista, haveria um exame de todos os meios que são susceptíveis de atingir esse fim sem qualquer preconceito fixo sobre o que eles devem ser, e que todos os meios sugeridos seriam pesados e julgados com base nas consequências que provavelmente produziriam.
Mas este não é o curso adotado na discussão posterior do Sr. Trotsky. Diz ele: “A moral libertadora do proletariado é de caráter revolucionário… Deduz uma regra de conduta das leis de desenvolvimento da sociedade, portanto principalmente da luta de classes, a lei de todas as leis” (grifo meu). Como que para não deixar dúvidas sobre o que quer dizer, ele diz: “O fim flui do movimento histórico” – o da luta de classes. O princípio da interdependência de meios e fins desapareceu ou pelo menos submergiu. Pois a escolha dos meios não é decidida com base em um exame independente das medidas e políticas no que diz respeito às suas reais consequências objetivas. Pelo contrário, os meios são “deduzidos” de uma fonte independente, uma alegada lei da história que é a lei de todas as leis do desenvolvimento social. Nem a lógica do caso muda se a palavra “alegado” for eliminada. Pois mesmo assim, segue-se que os meios a serem usados não derivam da consideração do fim, a libertação da humanidade, mas de outra fonte externa. O fim declarado – o fim em vista – a libertação da humanidade está, portanto, subordinado à luta de classes como meio pelo qual deve ser alcançada. Em vez da interdependência de meios e fins, o fim depende dos meios, mas os meios não são derivados do fim. Uma vez que a luta de classes é considerada o único meio que chegará ao fim, e uma vez que a visão de que é o único meio é alcançado dedutivamente e não por um exame indutivo dos meios-consequências em sua interdependência, os meios, a luta de classes, não precisam ser examinados criticamente com respeito às suas reais consequências objetivas. Ele é automaticamente isento de qualquer necessidade de exame crítico. Se não estamos de volta à posição de que o fim em vista (como distinto das consequências objetivas) justifica o uso de quaisquer meios em linha com a luta de classes e que justifica a negligência de todos os outros meios, não consigo compreender a lógica da posição do Sr. Trotsky.
A posição que indiquei como a de genuína interdependência de meios e fins não exclui automaticamente a luta de classes como um meio para atingir o fim. Mas exclui o método dedutivo de chegar a ele como um meio, para não dizer que é o único meio. A seleção da luta de classes como um meio deve ser justificada, com base na interdependência dos meios e dos fins, por um exame das consequências reais de seu uso, não dedutivamente. Considerações históricas são certamente relevantes para este exame. Mas a suposição d e uma lei fixa de desenvolvimento social não é relevante. É como se um biólogo ou um médico afirmasse que certa lei da biologia que ele aceita está tão relacionada com o fim da saúde que dela se pode deduzir o meio de se chegar à saúde – o único meio -, de modo que não é necessário um exame mais aprofundado dos fenômenos biológicos. Todo o caso é pré-julgado.
É verdade que a luta de classes é um meio para atingir o fim da libertação da humanidade; uma coisa radicalmente diferente dizer que existe uma lei absoluta da luta de classes que determina os meios a serem usados. Pois se determina os meios, também determina o fim – a conseqüência real, e com base no princípio da genuína interdependência dos meios e do fim é arbitrário e subjetivo dizer que essa conseqüência será a libertação da humanidade. A libertação da humanidade é o fim a ser perseguido. Em qualquer sentido legítimo de “moral”, é um fim moral. Nenhuma lei científica pode determinar um fim moral a não ser abandonando o princípio da interdependência de meios e fins. Um marxista pode acreditar sinceramente que a luta de classes é a lei do desenvolvimento social. Mas, à parte do fato de que a crença fecha as portas para um exame mais aprofundado da história – assim como uma afirmação de que as leis newtonianas são as leis finais da física impediria uma maior busca por leis físicas – não seguiria, mesmo se fosse a lei científica da história, que é o meio para o objetivo moral da libertação da humanidade. Que se trata de tal meio não deve ser demonstrado por “dedução” de uma lei, mas pelo exame das relações reais de meios e consequências; um exame no qual, dada a libertação da humanidade como fim, há uma busca livre e sem preconceitos dos meios pelos quais ela pode ser alcançada.
Mais uma consideração pode ser adicionada sobre a luta de classes como um meio. Presumivelmente, existem várias, talvez muitas, maneiras diferentes por meio das quais a luta de classes pode ser conduzida. Como pode ser feita uma escolha entre esses diferentes caminhos, exceto examinando suas consequências em relação ao objetivo da libertação da humanidade? A crença de que uma lei da história determina a maneira particular pela qual a luta deve ser conduzida certamente parece tender a uma devoção fanática e até mística ao uso de certas formas de conduzir a luta de classes com a exclusão de todas as outras formas de conduzir. isto. Não pretendo sair da questão teórica da interdependência de meios e fins, mas é concebível que o curso realmente tomado pela revolução na URSS se torne mais explicável quando se nota que os meios foram deduzidos de uma suposta lei científica em vez de serem procurados e adotados com base em sua relação com o fim moral da libertação da humanidade.
A única conclusão a que posso chegar é que, ao evitar um tipo de absolutismo, o Sr. Trotsky mergulhou em outro tipo de absolutismo. Parece haver uma curiosa transferência entre os marxistas ortodoxos de fidelidade aos ideais do socialismo e métodos científicos de alcançá-los (científico no sentido de ser baseado nas relações objetivas de meios e consequências) para a luta de classes como a lei da mudança histórica. A dedução de fins estabelecidos, de meios e atitudes, desta lei como a coisa primária torna todas as questões morais, isto é, todas as questões do fim a serem finalmente atingidas, sem sentido. Ser científico sobre os fins não significa interpretá-los fora das leis, sejam as leis naturais ou sociais. O marxismo ortodoxo compartilha com o religiosidade ortodoxa e com o idealismo tradicional a crença de que os fins humanos estão entrelaçados na própria textura e estrutura da existência – uma concepção herdada presumivelmente de sua origem hegeliana.
Publicado em The New International, agosto de 1938.
Notas do Editor da Coluna
* John Dewey nasceu em Burlington, pequena cidade do Estado de Vermont, nos Estados Unidos, em 20 de outubro de 1859 e faleceu em Nova York em 1º de junho de 1952. Embora tenha escrito mais de 60 livros e seja considerado, nos Estados Unidos, um conceituado filósofo, no Brasil ele ficou mais conhecido como educador graças à divulgação de sua obra pedagógica por Anísio Teixeira, que traduziu Democracia e educação, junto com Godofredo Rangel, em 1936 (Companhia Editora Nacional, de São Paulo) e Liberalismo, liberdade e cultura (1970, Editora Nacional e Editora da USP). Três dos seus livros mais diretamente filosóficos também foram publicados no Brasil: Liberdade e Cultura (tradução e introdução de Eustáquio Duarte, Revista Branca, 1953), A filosofia em reconstrução (SP, Companhia Editora Nacional, 1958, tradução de Eugênio Marcondes Rocha) e Teoria da vida moral (SP, Ibrasa, 1964, tradução Leonidas Gontijo de Carvalho).
1.O artigo inteiro que inclui o texto de Trotski criticado por Dewey foi publicado originalmente na revista americana The New International em junho de 1938 com o título The Morals and Ours. Na primeira edição brasileira, intitulada MORAL E REVOLUÇÃO – a nossa moral e a deles e publicada pela editora Paz e Terra em 1969, são incluídos ainda um apêndice (Os mercadores de indulgências e seus aliados socialistas (ou o filhote em ninho alheio) e dois anexos, sendo um o testamento de Trotski e o outro um Post Scriptum ao testamento. A tradução é de Otaviano de Fiore e foi feita não diretamente do inglês, mas a partir das edições italiana e espanhola.
- A expressão latina tu quoque pode ser traduzida como “você também”.
Imagem: Diggins, John Patrick, ‘The rise and fall of the American Left’. New York. WW Norton & Company.1973.