Medo, ainda não vou contar, por HELIANA QUERINO

A “liberdade do medo e da penúria” é a mais fundamental aspiração do homem. Uma declaração dos princípios gerais exposta na segunda fase do preâmbulo da “Declaração Universal dos Direitos Humanos” proclamada em 1948, pelas Nações Unidas.

Se já existisse o twitter, seria uma bela resposta ao famoso discurso do presidente norte-americano Franklin Roosevelt, em 1941, declarou: uma das liberdades fundamentais é “viver sem medo” (as outras são a Liberdade de expressão, a Liberdade religiosa e a Liberdade de viver sem penúria). A declaração também fazia parte do esforço dos EUA para se perfilar como líder do mundo livre, inclusive contra o nazismo. E a expectativa era encerrar um período no qual, provavelmente, as pessoas mais sentiram medo por suas vidas, como nunca antes na história: a segunda guerra mundial, o extermínio nazista, os bombardeamentos, os regimes políticos terroristas na Alemanha nazista e na União Soviética de Stalin – e precisamos lembrar que “terrorista” significa “o que faz medo” o que “toca o terror”.

Mas o que significa “viver sem medo”?

Uma parte dos medos são justificáveis, isso é evidente. Quem não teme botar a mão na fogueira, saltar de um precipício ou nadar nos cardumes de piranhas, não viverá muito tempo. Se libertar deste tipo de medo seria catastrófico. Por outro lado, existem medos completamente injustificáveis, – chamamos de fobias: medo de palhaços, de aranhas, de gatos, de estátuas, de caixão, de igreja… (a lista é longa). Entre os dois extremos encontramos os medos razoáveis, mas para alguns são os maiores: medo do avião, das serpentes, dos crimes, da polícia, dos bandidos…

No caso das fobias exageradas, normalmente, são traumas individuais com raízes na história pessoal, nos traumas infantis, e quase sempre o objeto do medo é um substituto de outro medo. Assim, Freud analisa no caso do “pequeno Hans” que o medo do menino com cavalos é na verdade o medo do pai. E muitos desses casos se resolvem com com variados tipos de terapias.

E o medo de confiar, de amar, se apaixonar, se “entregar”, o medo de “o que fazer com minha liberdade” ou com a falta dela, o medo do novo, ou de tentar. Lembro de uma amiga falar pelos cotovelos, para disfarçar o medo quando sente ameaçada a tranquilidade do coração. Pra uns é engraçado, para ela é defesa.

Mas o medo de que fala a Declaração dos Direitos Humanos é usado também por autoridades políticas com o intuito de governar aterrorizando as populações.

Os totalitarismos modernos fazem isso de um jeito sistemático e tão perfeito. Muito mais do que os regimes políticos anteriores. No mesmo ano da Declaração, George Orwell escreveu a sua famosa distopia 1984. O protagonista, Winston Smith, tenta se rebelar contra a sociedade do “Grande Irmão”,  onde todos são controlados dia e noite e arriscam a vida por uma pequena desobediência. Smith é torturado, porque o homem no qual confia, O’Brien, na verdade é um agente do sistema. Para romper toda resistência, o torturador coloca Smith no famigerado “quarto 101”. E lá cada um encontra o seu inferno pessoal: o que mais teme, o pavor maior. No caso de Smith, são as ratazanas. O’Brien conhece o pânico do prisioneiro pelas ratazanas. Confrontado com a ameaça de abrir uma gaiola com as “monstrengas” famintas cara a cara, o resistente pede que façam aquilo com sua amante Julia. Pronto, é a derrota total de Smith.

Então, cada um de nós carrega um medo tão grande que faríamos qualquer coisa para evitá-lo. Estamos todos vulneráveis por  conta disso…

O meu pânico de baratas está quase superado desde que me vi obrigada a batalhar com uma voadora gigante, com dentes enormes e olhos de fogo. Ela ameaçava invadir o meu quarto num dia que desinfetaram o condomínio. Quebrei a barata em três pedaços, dez gritos de tome, tome, tome e um cabo de vassoura partido ao meio.

Ela era tão pequena, estava ali balançando a última asa e dando os últimos suspiros…Grande foi o poder que atribuí à bichinha  – o fetiche me fazia enxergar um  monstro onde não existia.

Ainda sobre meus temores, eu tenho lembranças do que aconteceu há alguns anos. E pode ser que hoje, meu maior medo seja de avião. Em 2009, nos voos Porto Alegre/Brasília e Brasília/Porto Alegre, passei por dois pequenos desesperos, em fortes turbulências na ida e volta. No primeiro, tomei um banho de suco com o balanço de supetão. Ficamos todos em silêncio como se nada tivesse acontecido.

Três dia depois, de volta para Poa, o negócio foi mais invocado. Sentada no banco do meio, de um lado, o meu então “marido” e do outro, um jovem desconhecido. Na outra fila, um homem alto, loiro, sapatos importantes e notebook ligado no colo. Tranquilo, só mexia os dedos no teclado. Outro supetão, o avião sobe, desce e balança ligeirinho. As aeromoças de caras bonitas e batom vermelho sorridente, agravaram as feições imediatamente. O homem do notebook segura um rosário de Fátima e reza – ah meu Deus: pensei, se até ele reza, imagine eu. Socorro! Agarrei as quatro mãos que estavam perto de mim e comecei a chorar. E a turbulência demorou e demorou a passar. Depois de choros, rezas e mãos suadas, finalmente o céu se acalma e piloto agradece a Deus. Jurei que nunca mais viajaria de avião.

Em 2013 deixei de ir à Paris, eu não queria voar. Em 2014, lá estava eu numa conexão Fortaleza/Rio/João Pessoa… E então, será mesmo esse o meu maior medo ou só mais uma história para não falar dos meus medos?

 

Heliana Querino

Heliana Querino Jornalista

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