MARCIANOS OU MILICIANOS?

Com o resultado de 09 (nove) votos a 02 (dois), o Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou ontem (8), pela segunda vez, em ampla decisão majoritária, com intuito de proteger a vida dos cidadãos brasileiros e conter a disseminação do coronavírus, a restrição temporária de atividades presenciais religiosascultos, missas e similares – no estado de São Paulo, como medida de enfrentamento da pandemia, ao julgar a ADPF 811, confirmando a tese desenvolvida pelo ministro Gilmar Mendes, num dia em que o Brasil assinalou 4.211 mortes, coincidindo com a marca histórica do genocídio de337.364 pessoas, oficialmente anotadas até aquela data.

Decisão do Poder Judiciário diametralmente oposta ao Poder Executivo Federal, na pessoa do Presidente da República, que continua insistindo e propagandeando, desde o início da pandemia, seu negacionismo à medida científica de distanciamento social. Há algo de nefasto ainda não totalmente revelado. Pode ser que a CPI do Senado contribua para o desvelamento dessa malandragem.

Ao ouvir atentamente as sustentações feitas peloRequerente e “Amicus curiae” (09) defendendo a abertura dos templos, Mendes destacou em seu voto que o Advogado Geral da União, André Mendonça, no trecho onde ressalta os problemas dos transportes coletivos, parece o advogado estar chegando de Marte diretamente para aquele julgamento, totalmente descolado de qualquer responsabilidade institucional com qualquer assunto no Brasil. Mas André Mendonça, desde 29 de abril de 2020, era Ministro da Justiça de Bolsonaro. Consequentemente, com responsabilidades institucionais, inclusive de propor medidas sobre diretrizes da política nacional de transportes. Mendes dissedirigindo-se a ele: Parece que está havendo um certodelírio do Advogado Geral. É preciso que cada um de nós assuma a sua responsabilidade. Isto precisa ficar muito claro. Não tente enganar ninguém”.

De fato, o desempenho de André Mendonça enquanto ministro da justiça foi focado exclusivamente em buscar enquadrar na Lei de Segurança Nacional, entulho do período autoritário anterior à Constituição de 1988, os eventuais opositores ao desgoverno bolsonarista.

Ontem, o pastor presbiteriano André Mendonça fez uma sustentação não baseada na Constituição Brasileira, mas na Bíblia, deixando claramente transparecer que não estava falando para a Corte Suprema, mas estava dirigindo-se à militância religiosa fundamentalista bolsonarista, que retransmitiu ao vivo sua fala para suas redes digitais. Chegou textualmente a enfatizar que nessa sociedade tensa” aqueles que defendem a abertura dos templos “são tratados com adjetivos inapropriados”. O marciano presbiteriano André Mendonça parece não ter escutado os palavrões, as agressões e tensões criadas pelo seu chefe, dito cristão, ao longo dos três últimos anos, desde a campanha de 2018. Além disso,concluiu sua fala de forma muito emblemática, típica da trollagem desenvolvida pela milícia digital bolsonarista: “Os cristãos estão dispostos a morrer. Que Deus tenha piedade de nós”. Pergunta-se: Morrer em nome de que causa? Dando a vida por quem? Lutando contra quem? Que guerra seria essa? Por que André Mendonça concluiu com essa espécie de convocação enigmática?

Vale lembrar que em diversos artigos anteriores já nos dedicamos a analisar a prática de guerra contínua desenvolvida pelo bolsonarismo(https://segundaopiniao.jor.br/da-violencia-ao-caos/), (https://segundaopiniao.jor.br/ameaca-nazista/). O centro de sua estratégia é desenvolver e alimentar constantemente focos de conflito voltados para polarizar afetos de ressentimento com vistas ao golpismo permanente como sua práxis política.

Tudo indica, vale a pena acompanhar de perto, que pela forma como ocorreram as duas recentes votações no STF, a saber, decisão da Segunda Turma pela suspeição do ex-juiz punguista Sérgio Moro, com a visível precariedade técnica dos argumentos apresentados pelo ministro Kássio Nunes votando pela não suspeição do referido agente lavajatista, como no julgamento de ontem, da restrição temporária de funcionamento dos templos para cultos e cerimônias religiosas, na qual novamente o ministro Nunes posiciona-se alinhado com diretrizes bolsonaristas, o STF passa a ser um novo espaço de ataque, agora a partir de dentro.

Outra questão apontada por estudiosos para a guerra que essas ditas igrejas evangélicas travam para manterem-se em amplo funcionamento, além do recolhimento do dízimo pelo qual exploram continuamente seus fiéis com sua teologia da prosperidade, mas também pela lavagem de dinheiro processada por algumas delas, acusadas de crimes financeiros, como atesta a reportagem da Folha de São Paulo de 16 de agosto de 2020 pelo inquérito aberto contra o líder do Ministério Brás, da Assembleia de Deus, para estabelecer se o referido pastor lavou dinheiro usando contas bancárias da Assembleia de Deus para o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), condenado em 2017 a 15 anos de prisão, por lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Em 05 de julho próximo o decano do STF, ministro Marco Aurélio Mello irá se aposentar, abrindo nova vaga a ser preenchida por indicação de Bolsonaro. Pelo visto acima, percebe-se que o STF pode-se tornar um campo não de uma guerra qualquer, mas um tipo de combate pelo qual alguns marcianos ou milicianos estariam dispostos aempenhar suas vidas.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .