Este descuidado artigo não pretende complementar, referendar ou confrontar a bem fundamentada e irrepreensível análise crítica de Osvaldo Euclides de Araújo, publicada no canal ‘Segunda Opinião’ de 30 de julho último, versando sobre uma das mil facetas encontradas pelo capitalismo, no intuito de se manter em sua forma mais cruel e predatória à Economia de um país e, por conseguinte, ao já espoliado bolso do proletariado.
Seu objetivo único, no entanto, é exemplificar em testemunho uma das trágicas consequências dos danos apontados no estudo em questão.
É que junto às privatizações das nossas estatais, patrocinadas pelo neoliberalismo tupiniquim, ocorreu uma paralela diabólica estratagema: os planos de demissão voluntária, porém nada optativa, propostos aos seus empregados, verdadeiras vítimas de uma arapuca criminosa ardilosamente planejada.
Na Caixa Econômica Federal, empresa por demais lucrativa – portanto perpetuamente exposta ao faro das alcateias privatizantes pátria e estrangeira – na qual trabalhei longos 18 anos, o primeiro programa de demissão foi implantado em 1995.
Não precisei possuir uma inteligência privilegiada para perceber que elas, as hordas de lobos devoradores de erário, não ficariam naquele primeiro, e a premente possibilidade de me indicarem ao voluntariado demissional num próximo incentivo à perda do emprego, não estaria fora de cogitação.
Meu senso de preservação da minha própria espécie me falou para vender o apartamento da praia e comprar um ponto comercial, me desfazer do carro de passeio em troca de um utilitário. Ensinou-me, além disso, o caminho da Ceasa e me mandou ir aprender a comprar frutas e verduras, para depois tentar a parte menos fácil do empreendimento: encontrar alguém a quem vendê-las.
Foi quase um ano jogando os produtos no lixo, sem pegar o ritmo e em desacordo com tudo que propôs meu senso de preservação.
Tempos difíceis! De acordar às três da madrugada, tomar o caminho da longínqua Central de Abastecimento, fazer as compras numa pressa desvairada, na vã esperança de às sete em ponto abastecer o comércio.
Às nove minha conja chegava (naquela época arcaica ainda se falava cônjuge, o vernáculo sofria a falta de um meritíssimo que o simplificasse), e eu ia em busca do segundo expediente do dia, no qual entrava antes da dez e só saía depois das dezessete, quando retornava a um terceiro expediente, de volta ao comércio.
Cinco anos passei nesse tirinete, de jornada tripla na semana e dupla nos fins delas,
Em 2000 aconteceu o previsto; anunciaram o segundo plano de demissão e tornaram a vida dos empregados visados insuportável dentro da empresa, num processo de isolamento, deslocamento de função e ameaça de transferência compulsória a outro local de trabalho, sempre em outra unidade da federação.
Quem não estava preparado, a maioria, não aguentou a pressão. Entrando no modo desespero, aceitou de bom grado a aparente vultosa indenização, também criminosamente garfada em 2/3 no saldo do fundo previdenciário, investindo-a precipitadamente em algum negócio e se dando muito, mas muito mal.
Falidos e mal pagos, uns se suicidaram, outros voltaram ao abrigo dos pais, e poucos conseguiram aprovação em concursos públicos, já que a iniciativa privada jamais os absorveria.
Quem permaneceu e não possuía cargo de gerente, ou equivalente, amargou mais dois anos de arrocho salarial até assumir a Presidência da República o ex-sindicalista Lula da Silva, recompondo os salários de modo geral, porém com a infeliz ideia de tirar as forças armadas, eternas matronas amantes do grande capital, do estado de petição de miséria em que os mesmos as colocaram.
Salatiel Neres
Meu amigo Moita sempre certeiro com sua pena.
Alcio
Excelente texto, trágico, e impressionantemente leve, mesmo escancarando a realidade crua