Vira e mexe, leio nos jornais sobre quais livros, filmes e discos o autor do texto levaria para uma ilha. É provável que a ideia de escrever sobre o tema, e que quase sempre nasce de uma curiosidade formalizada a partir de pergunta dos leitores, terá alguma relação com a pandemia do Covid-19. Explico-me: a doença, condicionando-nos ao isolamento como a possibilidade mais racional para evitar a contaminação e os riscos concretos que a acompanham, desencadeou sobre as pessoas percepções desconfortáveis de que, muitas vezes, a solidão é algo inevitável e de que o melhor é buscar alternativas para o caso de virem a se tornar uma realidade em nossas vidas.
Pois bem. Isso me trouxe ao coração (é esta a etimologia do verbo “recordar”) uma experiência da juventude que recebi com ternura e delicada saudade: em meu tempo de rapazinho, quando contava pelos 14 anos, as mocinhas costumavam pedir que “respondêssemos” aos seus “disparates”, que outra coisa não eram que um tipo de caderno, organizado como um longo questionário, através dos quais éramos conduzidos a revelar nossa intimidade. As perguntas, claro, iam das mais bizarras tolices, a exemplo de expor as nossas preferências sobre a cor da pele e do cabelo das mulheres desejadas (rigorosamente isso, desejadas!) às mais profundas, como saber a nossa opinião acerca da existência ou não de Deus. Uma coisa, invariavelmente, um “disparate” que se prezasse nos impunha como questão incontornável: “Que livros você levaria para uma ilha deserta? Escusado dizer: naquela época, diferentemente de hoje, os jovens líamos muito.
Como uma coisa puxa outra, fiquei a pensar, não nos livros que levaria àquele tempo, em cuja relação, por certo, estaria Saint-Exupéry. Digo melhor: estaria “O pequeno príncipe”, que todos éramos muito próximos da Raposa, do Astrônomo, do Vaidoso, do Guarda-Chaves e seus companheiros de história.
Mas o leitor deve estar curioso por saber: que livros levaria eu para a minha ilha da solidão? Vá lá, que nunca fui de tergiversar diante das grandes questões. Não sem antes, por óbvio, em se tratando de quem lida com a literatura com alguma intimidade, observar que sou um volúvel ledor de livros: mudo de opinião em face desses seres amados ao sabor de minhas subjetivações: hoje, triste e macambúzio; amanhã, alegre e livre como um pássaro na invernada. É natural, assim, que as minhas escolhas transitem do paraíso de Milton ao inferno de Dante.
E o leitor, já se impacientando, percebo, haverá de indagar: ô chatonildo, que livros você levará para a sua ilha deserta (de onde talvez prefira que você jamais possa voltar!)? Calma, meu queridíssimo leitor, que é para você que escrevi esta crônica.
Escolhi, e já os separo do conjunto da estante, os dez seguintes livros, começando pela literatura propriamente dita: 1. Dom Quixote, de Miguel de Cervantes; 2. A divina comédia, de Dante Alighieri; 3. Madame Bovary, de Gustave Flaubert; 4. O idiota, de Fiódor Dostoiévski; 5. Dom Casmurro, de Machado de Assis; 6. A montanha mágica, de Thomas Mann; 7. O texto da peça Hamlet, de William Shakespeare; 8. Guerra e paz, de Lev Tolstoi; 9. Os miseráveis, de Victor Hugo ; 10. A Rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade.
Tenho dito, antes que mude de opinião!