LIÇÕES DE LIBERDADE E DESOBEDIÊNCIA: A IDADE DO TOTALITARISMO

O anticomunismo, quanto o antifascismo são a cara e a coroa de uma mesma moeda. Espelham em um contraponto aparente a pouca consideração que alimentam pela liberdade. Para ambos, o conceito de liberdade traduz a fragilidade de um sistema destituído de autoridade, de disciplina e da força para que o caos social não dissolva a capacidade aglutinadora do Estado.

A Ulisses, rei de Itaca, ocorrera quão difícil se tornava administrar um reino no qual cada súdito dispusesse da franquia da liberdade contra o imperativo categórico da sujeição aos regramentos do Estado. As hesitações de Ulisses sobre como associar a liberdade a formas de governos organizadas perduram como desafio para a construção de instrumentos de governo aos quais possa conceder-se a condição política de “democráticos”, em pleno século XXI.

Do século das Revoluções, arquétipo construído por Hobsbawm, chegamos aos tempos das democracias temperadas, “relativas”, para Lula da Silva, democracias “possíveis” para os novos “condottieris” a serviço do Estado encastelado na fortaleza do seu poder.

Mussolini e o seu atento aprendiz dos exercícios de coerção, Adolfo, construíram políticas autoritárias com as quais pretendiam impor decisões em torno da consolidação da força do Estado único, centralizador.

Lênin, Stálin e Trotsky seguiram por um atalho contingente, no qual o bem comum e a construção de um “novo homem” não poderiam prescindir dos recursos coercitivos de um governo forte em um Estado unitário.

Poucas discrepâncias de gênero e grau distanciavam estas formas de estratégia de assalto e conquista do poder político da consolidação de um Estado forte, sustentado por um governo centralizador. Em ambos os casos o nacionalismo dissimulava a natureza internacionalista do Estado que pretendia criar. A “Internacional Comunista” comunista é exemplo claro deste modelo aliciador. Como o são os “consórcios” nacionais que associam nações mal-saídas da condição colonial em uma mesma dogmática ideológica. A exemplo do que se produziu na África e, agora, põe-se termo na América Latina.

Dadas as circunstâncias analisadas, nascidas à sombra de um totalitarismo com ares absolutistas, haveria de expandir-se um novo conceito de Estado — fascista ou comunista, de forte conotação ideológica — com vocação imperialista, tendo como sustentação, em um dos lados da topografia ideológica, a classe proletária, alimentada pelos anseios prometidos de uma ditadura do proletariado; e, na outra extremidade, a classe média herdeira da burguesia decadente de um passado recente. Uma e outra, totalitárias em essência, prestes a se desfazerem, de utopias aposentadas, de ideais peremptos de liberdade e igualdade…

A tentação totalitária, presente no despertar dos nacionalismos na Europa, cresceu ao fim da Primeira Guerra, em meio ao malogro de tentativas democráticas de acento republicano e ao surgimento do bolchevismo e do fascismo, com a ascenção do comunismo e do nazismo, na Alemanha e na Rússia.

A figura do Estado totalitário, no século XX, segue a linha de continuidade do absolutismo do século XVI — mas com o direcionamento do poder soberano voltado para a consecução de propósitos alimentados pelo dogmatismo de ideologias antípodas.

Os fins últimos destas distopias bem afinadas diferem, mas não os meios para a sua realização. A liberdade pela qual lutam os cidadãos mostra-se sob a forma de um empecilho para que o Estado desenvolva os mecanismos da sua intervenção social.

Daí porque ao Estado, segundo os anunciadores das boas novas da dogmática da felicidade, não podem faltar os recursos para que a percepção do sentido de liberdade não comprometa a “liberdade” da sua agenda exclusiva para a “reconstrução” do futuro.

Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.

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