JUVENTUDE SETE-PONTO-ZERO E OS OLHOS QUE FALAM

Quero contar porque escrevi este texto. Estou em casa, recebo telefonema de amigo de quatro décadas, relato o diálogo:

— Osvaldo tudo bem?

— Sim, tudo bem.

— Você está bem de saúde, Osvaldo?—

— Sim, estou bem de saúde.

— Tem certeza?

— Sim, até onde sei.

Vi que ele estava rondando em busca de algo. Aí ele fez uma brincadeira, uma daquelas perguntas malvadas (tipo “você já parou de bater na sua mulher?”).

— Osvaldo você está tomando seus remédios? Está tomando na dose certa? E na hora certa?

Aí eu exigi explicações. Ele deu:

— Você está aparecendo mais nas redes sociais e publicando umas coisas melosas, esse não é o seu jeito, esse não é seu estilo, eu fiquei preocupado, por falar nisso qual é o tema do seu próximo texto?

Inventei e chutei:

— Será sobre velhice.

Meu amigo então completou :

— Tá vendo? Osvaldo, se você continuar escrevendo essas coisas, as pessoas que lhe conhecem vão ficar mais preocupadas. Espiritualidade. Empatia. Velhice…

— Preocupação com que?

— Você está querendo virar um influencer? Vai virar um coach? Nessa marcha alguém vai já já pedir teu Pix pra te mandar dinheiro, o que que você acha disso?

Respondi:

— Vamos conversar sobre essa ideia do Pix.

Aí ele desligou.

——-
Meu irmão mais velho é uma das minhas referências de vida. Foi ele que, numa família de 13 irmãos, mostrou caminhos, enfrentando e vencendo incertezas e superando barreiras em tempos difíceis. Quando maduros, sempre o apresentava como meu irmão mais novo, embora ele tivesse 10 anos a mais que eu. Nunca fui contestado. Temos muitas coisas em comum e continuamos conversando sempre que ele me visita no meu esconderijo, colado na propriedade rural dele.

Outro dos meus irmãos tem características marcantes. Foi servidor público metade de sua vida e na outra metade mostrou-se empreendedor de grandes méritos, um exemplo de força e luta. Não é à toa que o apelido dele quando jovem era simplesmente ‘porta-aviões’.

Meu terceiro irmão tem idade mais próximo da minha, começou a trabalhar mais cedo que eu, e quando eu precisei  começar, foi ele que me deu toda a orientação, foi ele que me ensinou o que é serviço, o que é qualidade e o que é compromisso. Lições inesquecíveis e um exemplo de solidariedade, fosse qual fosse a dificuldade, fosse qual fosse a bronca, literalmente tomava conta de mim.

De certa forma meu irmão mais novo construiu tudo sozinho, teve que enfrentar tudo sozinho. E o jovem surfista virou exemplar chefe de família. Construiu com as próprias mãos e faz uma bela  jornada. Gostaria de ter sido mais atento e mais solidário com ele,  não fui, Isso pode ter sido uma sorte pra ele, vai-se saber. Ele era muito pequeno quando sofremos o choque de perder a mãe, estávamos juntos.

Éramos seis, e Byron, efetivamente o mais velho de todos, foi alcançado por moléstia incurável aos sessenta. Ele teve um longo momento glorioso na vida, ele viveu (anos 1960/1980) no Rio de Janeiro quando a cidade era realmente maravilhosa, sem broncas,  sem violência e cheia das mulheres mais ousadas do mundo. Ele, fotógrafo tinha um talento excepcional pra captar a beleza, fico imaginando o trabalho dele naquele paraíso de sol, mar e montanha num dos melhores tempos do país. Ficamos distantes por décadas, quando nos reaproximamos,  nunca mais nos afastamos, até ele virar poeira de estrelas.

Minhas sete irmãs?  nada a dizer menos do que mulheres lindas e maravilhosas, cada uma delas com sua beleza de luz, com seu estilo e  com seu jeito de ser. Essa luz iluminou a família inteira. Elementos de equilíbrio: fé, doçura, generosidade, amor, delicadeza, sabedoria e a energia de sete vulcões. 

Chegando nos 70 resolvi comemorar o aniversário Como moro longe de Fortaleza, calculei que poucos deles iriam. Todos foram e foi uma beleza de evento, simples, humano.

Estamos todos nos anos 7.0 e um pouco solitários, era esta mensagem que eu via no olhar de cada um. Idade e solidão na quantidade certa.

Fizemos a fotografia tradicional todos juntos. Gente bonita, belos cabelos brancos, expressivos ombros curvados, eu com meu andador me protegendo de quedas (me adaptei ao andador, se você não for muito exigente com a coreografia, dá pra dançar o twist com ele).

Da próxima vez que você encontrar uma pessoa 7.0 de idade, o corpo não esconde, olhe bem nos olhos para realmente conhecê-la.

Quero insistir nessa questão do olhar . Quando todo o corpo dá os sinais do tempo que passou, são os olhos que refletem a força e a beleza da vida, são os olhos que refletem a história e a trajetória, são os olhos que falam. Eu fiquei olhando pra cada um daqueles olhares e foi encantador, foi revelador de tantas estradas, tantas aventuras…

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.