IRRACIONALIDADES APODRECIDAS, por Alexandre Aragão de Albuquerque

Em 30 de março de 1964, o então presidente João Goulart fazia o seu último discurso em um comício no Automóvel Club do Brasil. Ele chamava atenção para o clima de envenenamento que a elite estava criando para desestabilizar o seu governo. A crise era elaborada por uma minoria apegada aos privilégios históricos alcançados ao longo da construção desse país, “comandada por eternos inimigos da democracia, defensores de golpes de estado e dos regimes de exceção”.

Jango continuou com sua análise de conjuntura afirmando que os políticos que mais pregaram o ódio estenderam a mão para os políticos mais corruptos e juntos tiveram o cinismo de falar em nome dos sentimentos cristãos, amálgama espiritual do povo brasileiro, chamando de comunistas todos os seus opositores tais como o próprio Presidente da República, além do Cardeal de São Paulo.

Já em 02 de fevereiro de 1963, D. Hélder Câmara afirmava que “os ricos da América Latina chamam de comunistas aqueles que decidem levar a sério as necessárias reformas de base”, denunciando esses abastados econômicos por deterem o controle sobre os seus Parlamentos nacionais. Dom Hélder destacava que “o egoísmo desses ricos é um problema muito mais grave do que o próprio comunismo”. Reconhecendo inclusive que “o grande escândalo do nosso tempo foi a Igreja Católica haver perdido o contato com a classe operária” como havia afirmado anteriormente o Papa Pio XI.

A fórmula se repete em 2016. Primeiramente com a campanha midiática de destruição das biografias de Lula, Dilma e do PT, por meio de uma exposição pública diária, para alimentar o ódio popular contra o pensamento desenvolvimentista nacional de matriz socialdemocrata representado pelo PT em seus 12 anos de governo progressista. Em seguida, retornam com a retórica fantasmagórica do comunismo pela ala extrema-direita da política brasileira que tomou posse no governo em 2019. Num breve e recente exemplo, para não nos alongarmos, no dia 17 de março, Bolsonaro afirmou em Washington (EUA), a uma parte da elite conservadora estadunidense, que “aspectos relativos ao antigo comunismo não podem mais imperar”.

Correndo nessa mesma linha, a “Ordem do Dia” em dia 31 de Março de 2019 autorizada por Bolsonaro, e lida em todos os quartéis brasileiros em comemoração à ditadura instalada em 1964 até 1985, retoma a irracionalidade ideológica de combate ao comunismo ao afirmar que “diante de um cenário de graves convulsões, foi interrompida a escalada em direção ao totalitarismo. As Forças Armadas, atendendo ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira, assumiram o papel de estabilização daquele processo”.

Intrigante e obrigatório registrar nessa breve reflexão o comunicado que o vice-diretor de Operações da Marinha dos Estados Unidos, John L. Chew, enviou aos Chefes do Estado-Maior daquele país, em 31 de março de 1964, sobre o deslocamento de uma força-tarefa de apoio para o Atlântico Sul a ficar ancorada nas vizinhanças de Santos, no Brasil, numa operação denominada de BROTHER SAM: “A finalidade da força-tarefa de porta-aviões é manter a presença norte-americana nesta área e estar preparada para cumprir missões que venham a ser ordenadas”. Esse comunicado vem corroborar com a constatação de historiadores sobre as cruéis ditaduras militares instaladas na América Latina, a começar pelo golpe no Brasil em 1964, haver sido uma determinação do poder estadunidense como forma de barrar os nacionalismos e os avanços sociais e econômicos populares que ocorriam na região.

As irracionalidades construídas pelos grupos de poder têm como objetivo reprimir a consciência dos sentimentos e análises das populações por eles dominadas. Essa repressão ideológica será sempre maior na medida em que a sociedade não for representativa de todos os seus membros e apenas uma minoria abastada conduza a vida nacional. A repressão da consciência dos fatos deve ser acompanhada pela aceitação de muitas ficções. Ao acreditar em ficções, a população não consegue enxergar a realidade. O campo de disputa hoje é a sociedade. Fazê-la retirar o véu da irracionalidade para ver o que de fato está ocorrendo na vida política nacional, com a retirada de direitos individuais e coletivos, além do avanço de uma violência econômica, jurídica e policial contra os trabalhadores e trabalhadoras deste país.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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