Intervenções na democracia

CONTRADIÇÃO 01

EM SUA VERBORRAGIA como candidato em 2018, Bolsonaro acusa textualmente em vídeo que “o senhor Kassab (PSD-SP), ministro da Ciência e Tecnologia do Brasil, de não saber a diferença entre a lei da gravidade e a lei da gravidez. O que essa porcaria está fazendo lá no ministério? Botando seus apadrinhados”. Ontem, dia 11 de junho, no cercadinho do Alvorada, Bolsonaro (sem partido), falando mansamente, quase que com vergonha diante de sua claque das mídias sociais, justifica sua indicação para o cargo de ministro da pasta das Comunicações, recriada na madrugada do dia 10, da seguinte forma: “Ele (o novo ministro) não é um profissional do setor, mas tem conhecimento até pela vida que tem junto a família do Sílvio Santos”. O novo ministro Fábio Faria, além de ser genro de Sílvio Santos, dono doGrupo SBT de comunicação, é deputado federal do PSD do senhor Kassab. Do número máximo de 15 ministérios prometidos por Bolsonaro em sua campanha, ele somou a criação de mais 08 para atender seus apadrinhados do Centrão. Agora ao todo são 23 ministérios. Que interesses Fábio Faria, empossado ministro de Bolsonaro, genro de Sílvio Santos, deputado do PSD de Kassab, irá defender à frente deste ministério?

CONTRADIÇÃO 02

No ano de 2016, a presidenta Dilma Rousseff foi vítima de impeachment sob acusação de ter irregularmente realocado verbas orçamentárias por decreto. Porém, *Dilma não gastou um centavo a mais do que o orçamento aprovado pelo Congresso Nacional*. Na ocasião, membros do Tribunal de Contas da União (TCU), instituição do Estado brasileiro, foram ao Congresso acusar a presidenta Dilma de crime fiscal. Mas, repetindo, ela realocou verbas, sem gasto adicional. Um desses membros do TCU chegou a revelar, por ato falho, haver ajudado na redação de um pedido de investigação do qual ele mesmo foi o avaliador. Ele, sim, é quem deveria ter sido afastado por crime administrativo.

Mas quarta-feira, dia 10, diante do gasto adicional de R$1,5 bilhão, *SEM RESPALDO ORÇAMENTÁRIO*, ou seja, sem autorização do Congresso, praticado pelo presidente Bolsonaro para pagamento de benefícios previdenciários, o mesmo Tribunal de Contas fez *apenas uma ressalva* às contas do primeiro ano do governo. A realização de acréscimo de despesa sem previsão orçamentária viola a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mas o TCU, contraditoriamente, não incriminou o Presidente, não pediu o seu impeachment; contemporizouferindo a Lei.

A verdade, no final, sempre prevalece. Diante de mais uma prova cabal, entre tantas, como esta praticada pelo TCU, quando afirmamos que o Golpe 2016 foi golpe, é porque foi golpe.

CONTRADIÇÃO 03

Também no dia 10, Bolsonaro publicou a Medida Provisória 979 que suspende a realização de eleições com listas tríplices para a escolha dos reitores das instituições federais de ensino durante o período da pandemia da covid-19. O artigo 2º  dispõe que “não haverá processo de consulta à comunidade, escolar ou acadêmica, ou formação de lista tríplice para a escolha de dirigentes das instituições federais de ensino durante o período da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia da covid-19, de que trata a Lei no. 13.979, de 2020”. Ainda segundo a medida, os reitores-interventores indicarão os dirigentes dos campi e diretores de unidades. Mais um ataque às liberdades democráticas, a autonomia das universidades, à Constituição brasileira.

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) emitiu uma nota sobre a referida Medida Provisória repudiando veementemente a intervenção pretendida por Bolsonaro frente às instituições federais de ensino superior, advertindo sobre a periculosidade do seu teor. Um governo que se dedica, desde à sua posse, a testar os limites da democracia, insultando com suas ações responsabilidades cívicas determinadas pela Constituição, mirando de forma explícita as universidades como lugares naturais da produção de conhecimento crítico e liberdade pensamento e expressão.

Não há liberdade sem processos permanentes de libertação. Por isso a luta contra Bolsonaro é fundamental. A contradição entre aquilo que é afirmado (Bolsonaro que se autoproclama defensor das liberdades) e o que é de fato (na prática, Bolsonaro é autoritário e interventor) é o que leva o processo para frente. A liberdade sempre implica motivação, ou seja, uma deliberação racional a respeito dos motivos de um determinado valor. O ser humano é tanto mais livre em relação ao finito concreto quanto mais se radica na verdade infinita. A presença da infinitude no ser humano é condição de possibilidade de sua liberdade. O Infinito é a raiz da liberdade humana.

Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .

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Alexandre Aragão de Albuquerque

Mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE). Especialista em Democracia Participativa e Movimentos Sociais (UFMG). Arte-educador (UFPE). Alfabetizador pelo Método Paulo Freire (CNBB). Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização (UECE/CNPQ). Autor dos livros: Religião em tempos de bolsofascismo (Independente); Juventude, Educação e Participação Política (Paco Editorial); Para entender o tempo presente (Paco Editorial); Uma escola de comunhão na liberdade (Paco Editorial); Fraternidade e Comunhão: motores da construção de um novo paradigma humano (Editora Casa Leiria) .