Ingovernabilidade: tendência mundial, por Rui Martinho

Aristóteles dizia que os regimes políticos degeneram. A democracia corrompida se transformaria em demagogia.
O mundo democratizou-se. Mortalidade infantil, esperança de vida, analfabetismo, escolaridade, liberdades individuais, proteção das minorias, acesso aos bens e serviços, tudo melhorou com a economia baseada na liberdade dos agentes econômicos. Voto universal e secreto, liberdade de expressão, garantias do devido processo legal e outras formas de proteção foram gestadas pela modernidade após as liberdades econômicas. Veio o Estado rico, provedor de uma minoria não integrada na prosperidade geral.
Países que não se modernizaram resolveram imitar os europeus, sem pensar no custo e na fonte dos recursos. Prevaleceu o sonho do almoço sem conta. Os europeus estão em dificuldades, porque as demandas por favores estatais são cada vez maiores. Estados provedores pobres estão se inviabilizando. Benesses, vaidade dos que ganham aplausos e votos, vontade de poder dos que desejam controlar os cidadãos em incapazes tutelados, vontade de se sentir virtuosos sem o ônus de fazer o bem, limitando-se a defender “um mundo melhor” e a habilidade de elaborar teorias sofisticadas para defender o indefensável, tudo isso tem um poder irresistível. Corporativistas e messiânicos das religiões políticas seculares alimentam o excesso de demandas temido por Norberto Bobbio como principal ameaça ao regime democrático. É a decadência da democracia prevista por Aristóteles: a demagogia e o autoengano.
A Argentina enveredou pelo caminho da demagogia. Deixou de ser um Estado rico e uma sociedade próspera. Nunca mais se livrou da tutela messiânica e empobreceu. A velha Europa está no mesmo caminho. O Brasil segue os passos do mundo, mas tem necessidades maiores e recursos menores que os europeus. Ninguém fez a revolução industrial com o Estado provedor. Não sobrariam recursos para investimento produtivo. Invocar direitos é mais fácil e afaga mais o ego do que fazer as contas da sustentabilidade fiscal das políticas sociais. Estamos deixando de ser o país do futuro para sermos um país sem futuro!

Rui Martinho

Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.

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Doutor em História, mestre em Sociologia, professor e advogado.