A imprensa livre do dinheiro público e das estatais: seria melhor ou pior? Parte 13 – por Osvaldo Euclides

As empresas de comunicação, de um modo geral, mas jornais e revistas em particular, costumam atravessar gerações, e a maioria delas já está na mãos de netos dos fundadores. Sobreviveram e cresceram num país que viveu muitos altos e baixos na política e na economia. Se de 1945 até 1975, o Brasil era um campeão de crescimento econômico mundial (o mundo inteiro prosperou nas três ‘décadas de ouro’) e os bons ventos facilitavam os negócios, a instabilidade política complicava tudo. E vice-versa: à eventual estabilidade política, sobrepunha-se a crise econômica. Jornais e revistas dependiam fortemente de insumos importados e isso trazia para os custos os solavancos da taxa de câmbio (a especulação com o dólar vem de longa data). Apesar desses bons 30 anos, muitos jornais e revistas morreram (e muito poucos nasceram) e hoje há muito menos editores que há seis décadas.

Crises financeiras mais ou menos agudas frequentam a história de quase todas as empresas do ramo. E, nesses momentos de crise, as relações dos empresários editores com os governos quase sempre foram decisivas para dizer quão longas e quão profundas seriam as dificuldades (ou se seriam rapidamente sanadas).

Tomando apenas os tempos mais vivos na memória, temos o presidente Getúlio Vargas cuidando que Samuel Wainer tivesse acesso a financiamentos suficientes para fundar e depois manter o jornal ‘Última Hora’. O mesmo Getúlio Vargas que decretou norma proibindo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE (hoje BNDES) de emprestar a empresas de comunicação, “por causa de uma encrenca que teve com um dono de jornal”, explicou um ministro.

Ao criar a Rede Globo de Televisão, na primeira metade dos anos 1960, Roberto Marinho teve que buscar dinheiro no exterior, captando 38 milhões de dólares com o poderoso grupo norte-americano Time-Life, ao qual associou-se. Como essa ‘associação’ era vetada, RM teve que obter um empréstimo para devolver o dinheiro. E consta que foi uma instituição financeira estatal que o socorreu, devidamente autorizada pelos general-presidente (o mesmo general-presidente que, por outro lado, no mesmo momento, negou-se a socorrer o imenso grupo de comunicação ‘Diários Associados’, de Assis Chateaubriand).

Nos anos 1980, os grandes jornais brasileiros e os maiores jornais regionais estavam mergulhados em crise de liquidez, endividados e desequilibrados, depois de captar empréstimos no exterior e ver o governo decretar duas máxidesvalorizações no câmbio (sem falar nos excessos e erros de gestão). O problema foi levado ao então presidente-general João Figueiredo, que mandou Delfim Netto resolver. Pediram os editores uma ‘operação hospital’, termo usado na época para os financiamentos de bancos oficiais às empresas em dificuldades. E todos queriam o dinheiro barato e de longo prazo do BNDES. Mas, havia o impedimento legal estabelecido por Getúlio desde os anos 1950.

Delfim articulou uma liberação de depósitos compulsórios que ficavam parados no Banco Central sem nada render para que os jornais fossem capitalizados via emissão de debêntures conversíveis em ações. As operações foram feitas em 1984, através de gráficas criadas por cada jornal para emitir os títulos. O custo era menos da metade do custo de mercado, os prazos eram longos e as garantias eram as máquinas impressoras de cada jornal (transferidos às gráficas).

Nos anos 1990 as crises voltaram pelas mais diversas razões. Em 1996/97, articulando passar no Congresso uma emenda que lhe permitisse a reeleição, o presidente Fernando Henrique Cardoso atendeu a um pedido formal da Associação Nacional de Jornais e desfez o decreto que impedia o BNDES de financiar empresas de comunicação. Não é à toa que FHC tem tanta simpatia no meio.

As relações da imprensa com o poder público são íntimas, quase carnais em muitos momentos. O governo é a principal fonte de informação. O governo é o principal anunciante. O governo é o assunto permanente, a pauta principal de todos os dias. E, pelo que se vê acima, o governo também foi, se não o hospital, pelo menos um pronto-socorro dos empresários editores nas crises cíclicas.

Neste momento, em que a crise está instalada com força especial em jornais e revistas, mas não só neles (nas rádios e televisões também, sejam redes nacionais ou grupos regionais), vale lembrar estes fatos para mostrar o quanto é decisiva na imprensa a relação com o dinheiro público, com o poder, com os governos, com as estatais e com os orçamentos. Orçamentos, sim, no plural, porque as relações são ainda mais próximas com prefeitos e governadores.

O mercado privado (bancos e anunciantes) prefere ficar longe de problemas.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.