Gal, 75 Anos

Não vou falar de flores, perdoem-me.

É mais que óbvio não se poder esperar de uma live o rigor estético de um show de palco propriamente dito, leve-se em consideração que é típico do formato uma certa vocação para o improviso e um perfume de informalidade que tornam a apresentação do artista tanto quanto possível mais espontânea e descontraída.

Em se tratando de uma cantora do nível de Gal Costa, que comemorou seus 75 anos e 55 de carreira, ontem, rendendo-se ao formato em voga, como o fizeram estrelas da melhor constelação da MPB, a exemplo de Caetano Veloso, Gilberto Gil e, para surpresa de muitos, o próprio Roberto Carlos, há que se observar, quando menos, um mínimo de atenção para a carpintaria cenográfica, iluminação, uso de adereços e, principalmente, a observação de uma marcação que resultem elegantes e convincentes. Por marcação, diga-se em tempo, define-se, previamente, a movimentação do artista no espaço cênico. Não foi o que se pôde constatar na live da cantora baiana, sem qualquer dúvida uma unanimidade entre os brasileiros.

Nesse aspecto, sobremaneira, é que a coisa não funcionou bem: Gal se deslocava às cegas por salões e corredores desnivelados do que pareceu ser um apartamento antigo, mal conseguindo, aqui e acolá, manter-se de pé.

Não bastasse a insegurança com que transitava ao final de cada música, algo de resto compreensível para uma pessoa de 75 anos, em lugar de spots como solução mais adequada para a iluminação de lugares fechados, um canhão de luz ofuscava a cantora e mesmo os telespectadores, confusão visual agravada pelo uso desnecessário e extremamente infeliz do “esfumaçado” do gelo seco, que nada acrescentou ao show, mesmo sabendo-se que a intenção era emprestar à live uma atmosfera intimista, por sinal nem sempre condizente com o repertório escolhido  —  este, não se pode negar, muito bom, em que pese num e noutro caso inadequado para o momento, como o clássico Festa do Interior, durante cuja interpretação se fez ver um certo descompasso entre voz e instrumentos.

Essa a razão por que eram indisfarçáveis os falsetes excessivamente explorados, bem como a aflição dos músicos para acompanhar a voz um tanto desgastada de Gal, em que pese esses, os músicos, afinadíssimos do ponto de vista técnico: Pedro Sá (violão) e Chicão (teclado).

Para não falar do “nervosismo” mais que “cinemanovista” da câmera, recorrentemente perdida na perspectiva do movimento, da angulação e, em dimensão para além de amadora, do simples enquadramento. Um desastre o que se viu sob este aspecto.

Em sua concepção geral, é importante destacar, a live “Gal 75 anos”, exibida ontem a partir das 22 horas pela TNT, tinha tudo para ser um momento sublime da MPB nesses dias em que estamos condenados ao retiro obrigatório.

O uso de depoimentos de artistas sobre a homenageada, por exemplo, projetados à Cinema Paradiso na fachada e empena de edifícios próximos, poderia ter resultado muito bom, não fossem aparentemente precários os projetores para o que se pretendeu fazer.

Visto assim, contudo, para os fãs da cantora Maria da Graça Pena Burgos, ou simplesmente Gal, entre os quais este colunista assume-se incondicionalmente, foi bom, foi mesmo emocionante, reencontrar no set, revivendo sucessos como Modinha para GabrielaSorte e outros hits do seu inatacável repertório, essa que é uma das maiores cantoras e intérpretes brasileiras de todos os tempos.

 

Alder Teixeira

Professor titular aposentado da UECE e do IFCE nas disciplinas de História da Arte, Estética do Cinema, Comunicação e Linguagem nas Artes Visuais, Teoria da Literatura e Análise do Texto Dramático. Especialista em Literatura Brasileira, Mestre em Letras e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais. É autor, entre outros, dos livros Do Amor e Outros Poemas, Do Amor e Outras Crônicas, Componentes Dramáticos da Poética de Carlos Drummond de Andrade, A Hora do Lobo: Estratégias Narrativas na Filmografia de Ingmar Bergman e Guia da Prosa de Ficção Brasileira. Escreve crônicas e artigos de crítica cinematográfica

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Alder Teixeira

Professor titular aposentado da UECE e do IFCE nas disciplinas de História da Arte, Estética do Cinema, Comunicação e Linguagem nas Artes Visuais, Teoria da Literatura e Análise do Texto Dramático. Especialista em Literatura Brasileira, Mestre em Letras e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais. É autor, entre outros, dos livros Do Amor e Outros Poemas, Do Amor e Outras Crônicas, Componentes Dramáticos da Poética de Carlos Drummond de Andrade, A Hora do Lobo: Estratégias Narrativas na Filmografia de Ingmar Bergman e Guia da Prosa de Ficção Brasileira. Escreve crônicas e artigos de crítica cinematográfica